O espaço ainda é pequeno, mas, nos últimos anos, a presença das drags queen, aos poucos, tem aumentado na televisão. Um dos grandes influenciadores nessa mudança nos Estados Unidos, e também no mundo, foi o sucesso do reality show Ru Paul’s drag race. O programa, que está renovado até a 10ª temporada, é uma competição apresentada pela drag Ru Paul em que drags de todo o mundo disputam o título de America’s next drag superstar.
No Brasil, uma das primeiras drags a ter espaço na televisão foi Nany People. A atriz ganhou projeção como repórter do programa Novo comando da madrugada, na extinta Rede Manchete, com passagens por atrações como Flash, A praça é nossa, A fazenda e #PartiuShopping. Dimmy Kieer também teve seu espaço ao participar de uma das edições do reality show Big brother Brasil.
Atualmente, Pabllo Vittar é a drag que rouba a cena no Brasil. Ela ganhou destaque primeiramente na internet ao lançar uma versão brasileira de Lean on, de MO, a faixa Open bar e hoje possui o recorde de drag queen com o maior número de visualizações em um vídeo no YouTube ao bater a marca de 8,7 milhões de views pelo clipe de Todo dia, faixa em parceria com Rico Dalasam.
O sucesso fez com que Pabllo fosse convidada para fazer parte do elenco do programa Amor & sexo, em que está há duas temporadas. “Foi uma experiência maravilhosa trabalhar com toda a equipe do Amor & sexo, que sempre me ajudou muito desde quando entrei lá. A mais recente temporada foi dedicada a falar sobre temas como igualdade de gênero e poder fazer parte disso tudo… Foi uma ótima forma de começar o ano”, comenta. Para Pabllo é importante a televisão abrir espaço para debater esse tipo de assunto: “Acho importante falar de temas que as pessoas não falam em horário nobre.”
Depois de debater a transexualidade em A força do querer, a Globo resolveu novamente apostar em representatividade de gênero, dessa vez, por meio da figura das drags na novela Pega pega. O folhetim das 19h apresentará em sua história a drag Rúbia, papel interpretado pelo ator brasiliense Gabriel Sanches. Essa não será a primeira drag em novelas da emissora. Em Império (2014), o ator Ailton Graça interpretou Xana Summer e, em A lei do amor (2016), as drags Deendjers fizeram uma participação especial.
O brasiliense está gravando as participações de Rúbia, que trabalha em uma boate localizada nas proximidades do Carioca Palace, hotel em que se passa o grande enredo da trama. “Rúbia é o braço direito de Gustavo (papel de Guilherme Weber), gerente do hotel e administrador da boate. Ela é promoter e faz show na casa noturna”, explica Sanches.
Como a premissa da novela Pega pega é lidar com questões éticas e morais por meio da história do roubo do hotel, Gabriel Sanches conta que a boate dialogará com esse enredo. “No meio dessa crise do hotel, caberá a Rúbia cobrar Douglas sobre a forma de administrar a boate”, completa.
Além de Rúbia, o folhetim deverá ter outras drags dentro do cenário da boate, como o próprio papel de Weber, em que existe a expectativa de que o personagem apareça como drag queen. “Nesse processo (de construção dessa parte da história) não terá apenas a Rúbia representando esse universo. Surgiram outras personagens drags. Assim o Alessandro Brandão (ator e marido de Gabriel Sanches) entrou no elenco”, conta.
O brasiliense Gabriel Sanches foi um dos últimos atores a entrar no elenco da novela Pega pega, folhetim das 19h da Rede Globo. No início deste ano, ele foi abordado pelo produtor de elenco Fabio Zambroni sobre o surgimento de uma personagem drag na produção. O convite para participar do teste veio por conta de um projeto criado em 2014 por Sanches das figuras Sara (interpretada por ele) e Nina, papel do marido Alessandro Brandão, ator que também tem formação na cidade, tendo atuado nas trupes de Hugo Rodas e do BaSiraH, por exemplo.
“Ele me conhecia de outros projeto. As pessoas contaram para ele sobre Sara e Nina. Ele me ligou e perguntou se eu queria fazer um teste, que contou com três atores”, lembra. Gabriel revela que acha que acabou sendo escolhido por conta da trajetória de Rúbia (personagem da novela). “A ideia do texto não é levantar exatamente questões de gênero, mas por meio da história de Rúbia trazer essa possibilidade de transformação do pensamento. De um novo olhar para essas questões todas, principalmente num momento de retrocesso social e político”, defende.
Essa não será a primeira experiência de Gabriel Sanches como drag. Há três anos, o ator criou a figura de Sara para poder fazer um ensaio fotográfico para uma amiga estilista, que era uma de suas vizinhas em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. “Na verdade, eu sempre tive interesse e curiosidade por questões de gênero. Desde pequeno me interessava pela questão da sedução do feminino. Minha avó era meio drag queen, com unhas e cabelos grandes, muita maquiagem…”, lembra.
Surgimento de Sara e Nina
Após as fotos, o ator passou a acompanhar o reality show de Ru Paul e também os trabalhos de desbunde no Buraco da Lacraia, no RJ. “Eu já tinha me interessado pelo universo drag e, de 2014 para cá, resolvi enveredar por esse caminho. O Alessandro (marido de Gabriel) ganhou um espaço para se apresentar no Semente (casa de samba). Assim nasceu o primeiro projeto de Sara e Nina”, conta.
As drags fazem parte do espetáculo Minhas mulheres tristes, em que Sara e Nina revisitam o repertório clássico de cantoras, como Dalva de Oliveira, Elza Soares, Maysa e Dolores Duran. Na montagem, Sara e Nina são um casal que durante uma apresentação tem um desentendimento e acabam apresentando shows diferentes até que se unem novamente no final. O espetáculo começou a ser exibido no Rio de Janeiro em junho de 2016 e ficou em cartaz até o fim do ano. Em janeiro deste ano, a peça teve uma encenação na capital federal no Espaço 205 Norte. “Somos dois homens que se propõem a experimentar o travestismo por meio da arte. É um tema sério e importante”, comenta.
Duas perguntas // Gabriel Sanches
Você teve receio de aceitar o papel de Rúbia em Pega pega?
Você está tocando no ponto que é o mais importante do meu trabalho. Porque justamente acho que existem drags que vivem essa realidade há 50 anos. Eu sempre me interessei por esse universo. São três anos de trajetória. Não sou um ator que veio atuar como drag por meio do papel da novela. Para mim, a drag é uma linguagem artística que está relacionada a palhaçaria. Depois que criei a Sara me questionei se essa era uma expressão que queria viver 24 horas por dia. Vivo num momento da minha vida que não deixou de me identificar como Gabriel e como Sara.
Para você, qual é a importância de uma representação drag na tevê?
É preciso reconhecer os lugares de protagonismo. Acho que é importante abrir espaço para outras pessoas. A arte abre o caminho para experimentação. Espero que meu trabalho possa abrir caminho para outras pessoas. Hoje em dia há uma falta de oportunidade para as drags e pessoas trans. Não tem quem olhe dentro da instituição política para essa parcela da população.
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