Documentário Laerte-se
Credito: Netflix/Divulgação

Laerte-se estreia na Netflix com história da cartunista. Leia entrevista com a Laerte!

Publicado em Entrevista, Filmes

Documentário da Netflix, Laerte-se, mostra intimidade da cartunista Laerte Coutinho por meio da trajetória e das questões de ser uma mulher

Foi publicamente que a cartunista Laerte Coutinho, 65 anos, assumiu a identidade de mulher. Apesar disso, ela sempre foi discreta em relação à intimidade. Não se sente à vontade em entrevistas, tem resistência a se tornar objeto de atenção e não gosta de ter pessoas dentro de casa. Tudo isso precisou ser superado para o documentário Laerte-se, disponível na Netflix. O processo, desde a ideia até a finalização, durou três anos e contou com direção de Lygia Barbosa da Silva e Eliane Brum, com roteiro também assinado por Raphael Scire e Nani Garcia.

A primeira ideia era fazer um documentário sobre o trabalho artístico da cartunista, que também passa pela admissão da Laerte mulher — foi por meio dos personagens Hugo e Muriel que ela mostrou esse desejo. Por sugestão de Laerte, o material ganhou outro direcionamento e passou a contar a história das mudanças na vida da cartunista. O principal questionamento naquele momento, e que segue até hoje, era se Laerte faria uma mudança em seu corpo. “Então, Laerte propôs começar um filme que falasse dessa história que ela estava vivendo, se ia colocar peitos e o que significava toda essa mudança na vida dela”, explica Lygia ao Próximo Capítulo.

Laerte vê na decisão de fazer a cirurgia uma audácia que tem um valor simbólico. “A mudança mais evidente (após a gravação de Laerte-se) é em relação à cirurgia de implante de seios, que continua indefinida. Mas passei por vários entendimentos do que isso significa (durante o processo)”, revela Laerte.

O principal desafio foi entrar na casa da cartunista — ato ao mesmo tempo figurativo e literal. “O nosso desafio era encontrar uma nudez, que não era do corpo, que nos levasse a questões e perguntas mais complexas, complicadas e camadas mais fundas, respeitando esse processo de interrogação da Laerte”, analisa Eliane.

Toda a construção de Laerte-se é levada pela história da reforma da casa e, ao mesmo tempo, sobre as transformações de Laerte, que define no documentário essa relação entre os dois atos: “A minha casa é inadequada e, por extensão, eu sou inadequada”. Já o nome do documentário tem a ver com o fato de Eliane Brum encarar Laerte como um verbo, “que é ao mesmo tempo imperativo e reflexivo”. “Essa é a questão mais importante: esse reflexivo. Nesse filme, a gente pensa nas questões da Laerte, mas a gente imagina que traz questões para todas as pessoas”, completa Eliane.

O longa mostra desde as entrevistas de Laerte, em que ela revela o desejo por homens ainda na adolescência e acreditar que não foi um ato de coragem se assumir mulher aos 60 anos, a até momentos íntimos da cartunista, que vão desde a relação com o neto (que a chama de avô) até a depilação: “A primeira roupa foi a retirada dos pelos. Era um prelúdio de tudo.”

Entrevista com Laerte sobre Laerte-se

Qual foi o momento mais difícil durante o documentário?
Acho que foi, fora alguns momentos específicos e algumas conversas, admitir que o filme também trafegaria na minha casa. Porque por motivos difíceis, até para mim de entender, é muito complicado admitir pessoas dentro da minha casa. Receber pessoas ainda mais filmando… Ver-se filmada é uma experiência bem diferente de se ver no espelho. É como se ver no olhar da outra pessoa. É muito mais inquietante, gera um sentimento estranho. Esse foi o momento mais difícil, mas depois que passou, ficou tranquilo. A gente partiu para um outro nível de trabalho que acho que foi muito bom.

Em Laerte-se, você abre sua história e sua intimidade. Essa foi uma forma de representatividade para você ou para as outras pessoas?
Ambas as coisas. Acho que para mim atende tanto a um desejo de autoconhecimento e autorreflexão, como também vejo como um modo de espalhar essa experiência e fazer ela se tornar reflexão para outras pessoas. Eu sinto que na minha juventude houve muita falta disso. Nos anos 1970, esse tipo de material, para o pensamento e para os sentimentos não era fácil de achar, não que não houvesse, mas não era fácil de encontrar. Eu acho que esse filme também faz parte de um material que a nossa cultura pode usar para amadurecer.