Primeiros capítulos de O outro lado do paraíso chamaram a atenção por apresentar temas fortes sem o lenga-lenga romântico das novelas.
As paisagens realmente paradisíacas do Jalapão encantam a cada capítulo de O outro lado do paraíso, novela de Walcyr Carrasco que estreou há uma semana na faixa das 21h da Globo. Mas o título da atração já nos dá a dica: Walcyr quer falar de outras faces daquele lugar tão belo. É a deixa para ganância, violência, preconceito entrarem em cena.
Os primeiros capítulo de O outro lado do paraíso ー especialmente o da estreia ー anunciavam um marasmo só. Ledo engano ー os episódios vieram numa crescente que deu à trama toda a cara de seriado americano ou de cinema. O recurso da antecessora A força do querer de começar a noite com um resumo do que passou acertadamente é repetido aqui.
O outro lado do paraíso começa com pouco lenga-lenga
Característico de folhetins ー e Walcyr costuma ser clássico em suas novelas ー o lenga-lenga romântico costuma embalar as tramas das 21h. Mas não em Outro lado do paraíso. O casamento em tempo recorde de Gael (Sergio Guizé) e Clara (Bianca Bin) serviu apenas de ponto de partida para o primeiro tema-bomba trazido por Walcyr explodir: o relacionamento abusivo (veja aqui outras polêmicas previstas).
De príncipe encantado a sapo cururu, Gael agrediu a moça ainda na lua de mel. As agressões não pararam e se alternam com momentos de ternura, o que deixa Clara ainda mais confusa. Apaixonada pelo rapaz, ela já ameaçou pedir o divórcio duas vezes, mas ainda não o fez. Importante a cena em que o médico Renato (Rafael Cardoso) aconselha Clara a denunciar as agressões de Gael e fala sobre a lei Maria da Penha. A ficção foi seguida por um aviso, no fim do capítulo, lembrando os meios que as mulheres têm de denunciar os agressores ー mesma estratégia usada em Sob pressão.
Índole e comportamento deplorável à parte, Gael é um papel difícil e de sutilezas. Assim como é sutil a interpretação de Guizé, muito bem como o vilão. O rapaz, que parece será diagnosticado com bipolaridade (o que, na minha opinião, pode esvaziar o debate necessário sobre relacionamento abusivo), é filho de Sophia, papel com o qual Marieta Severo já pode ser declarada dona da novela.
Sophia é a ganância em pessoa e teve embates com Clara e com o avô dela, Josafá (Lima Duarte), por causa de um veio de esmeraldas que está embaixo das terras da família deles. Interesseira e perto da falência, Sophia quer convencer Josafá a sair dali e autorizar a exploração das pedras. O embate gerou o encontro de dois atores de primeiríssima linha ー como é bom ver Lima Duarte de volta às boas com as novelas! O texto inspirado de Walcyr coroou o duelo.
Também valeu a pena ver Lima contracenar com Fernanda Montenegro, que vive Mercedes, à primeira vista o personagem mais puro da novela. Espécie de vidente, a senhora que fala com “eles” parece ser o elo de toda a história de O outro lado do paraíso, o que faz com que boa parte do elenco passe por ali e beba um pouco da fonte que é Fernanda. A cena dela com Mayana Neiva, a prostituta Leandra, também mereceu atenção.
Além do relacionamento abusivo e da ganância, O outro lado do paraíso já mostrou que vai causar polêmica também ao tratar de preconceito. Se o racial ainda não veio à tona,o de Sophia contra a filha anã, Stella (Juliana Caldas), a quem ela chama de “monstrengo” já deu o que falar. Protegida pelos irmãos Gael e Lívia (Grazi Massafera, mais uma vez arrasando em uma novela de Walcyr Carrasco), Stella vai sofrer nas mãos de Sophia.
A nota fora do tom fica por conta de Rafael Cardoso. Ele não precisa provar que é bom ator ー já o fez em outras novelas e filmes. Mas ainda não entrou no personagem. Tempo e talento para se redimir, tem de sobra.
Quem também precisar correr para se encontrar é Bianca Bin. A escalação da jovem como protagonista da novela não foi consenso e, ao contrário de Rafael, ela teve boas cenas desperdiçadas. Rendeu mais quando Clara esteve no Rio de Janeiro, de lua de mel, especialmente na dobradinha com Beth (Glória Pires). O mistério que envolve as duas promete novos encontros, o que é muito bom.
Outras tramas virão, um elenco enorme (a julgar pelos créditos na abertura com uma música chatinha) terá espaço e novas fases (confesso que tenho preguiça dessas fases das novelas modernas) devem marcar O outro lado do paraíso. Tomara que mais ação esteja por vir!