Estudo mostra que número de personagens na terceira idade está diminuindo. Correio conversou com atores e especialistas para entender o contexto brasileiro
No último mês, um estudo realizado pela USC Media, Diversity and Social Changes apontou que, atualmente, do total de personagens em séries norte-americanas, apenas 10% são idosos. Dentro desse grupo, somente 27,8% são representações femininas na terceira idade. A instituição analisou toda a gama de produção dos maiores canais abertos norte-americanos e chegou à conclusão de que personagens na terceira idade estão se tornando cada vez mais raros na tevê, pelo menos nas terras do Tio Sam.
Para Ellis Regina Araújo da Silva, professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, essa falta de representação não é uma surpresa. “O número reflete uma realidade em que os idosos são sub-representados do ponto de vista da mídia. Os dados condizem com a minha pesquisa de pós-doutoramento que avaliou a representação do grupo na cobertura jornalística de emissoras públicas de rádio no Brasil e em Portugal”, aponta Ellis.
A pesquisadora também explica que a representação da terceira idade dentro do contexto de entretenimento é importante não só pela diversidade da produção, mas também pela identificação daqueles que estão assistindo em casa. “Ver personagens idosos nesse tipo de produção é parte de um processo de reconhecimento social em que o idoso pode se identificar como cidadão. As representações podem ajudar a combater o preconceito, aumentar o respeito em relação à pessoa idosa”, defende a professora.
A terceira idade na telinha verde e amarela
Mas será que a situação na tevê brasileira está em situação crítica, como a norte-americana? Segundo o ator Tonico Pereira, 69 anos, que interpretou o personagem Abel na novela A força do querer, da Globo, a questão é preocupante no Brasil, mas atenuada pela pouca concorrência entre os atores na terceira idade. “O que acontece nas novelas é que quando você é jovem tem muito espaço, mas com muita concorrência entre os atores. Entretanto, quando você vai ficando mais velho tem, sim, menos espaço, mas com menos concorrência também”, explica o ator, em entrevista ao Correio.
Pereira ainda aponta um fator fundamental para a presença de atores na terceira idade dentro do contexto de entretenimento brasileiro: o conhecimento. “O velho vai significar uma experiência dentro da novela, ou do filme, sabe? Eu quando jovem aprendi muito com atores mais velhos. Não fiz muita escola, essa coisa técnica, mas aprendi a ouvir aquelas vozes que sabiam mais que eu, e esses grandes mestres foram fundamentais para mim”, relembra o ator.
Para os fãs, a presença de atores mais experientes ainda se faz presente, principalmente no contexto das novelas. Dora Fernandes, 56, que acompanhou a última trama global das 21h, aponta: “Novela está aí para mostrar a verdade, e é inegável que os mais velhos fazem parte da sociedade, por isso eles estão lá. O Lima Duarte, a Regina Duarte estão aí para mostrar que experiência é importante, afinal, são artistas de referência”, afirma Dora, citando atores que estão no ar nas novelas O outro lado do paraíso e Tempo de amar, respectivamente.
O outro lado do paraíso estreou há uma semana e já aponta forte presença de atores mais experientes no elenco. Com um enredo que abordará duas etapas temporais, a produção apostou forte na presença de grandes nomes acima dos 65 anos. O público poderá acompanhar o trabalho de Laura Cardoso, 90; Fernanda Montenegro, 88; Nathalia Timberg, 88; Lima Duarte, 87; Juca de Oliveira, 82; Marieta Severo, 70; Luiz Melo, 69 e Eliane Giardini, 65.
Três perguntas para Tonico Pereira
O senhor acha que a aposta da novela O outro lado do paraíso em usar atores experientes vai dar certo?
É um reconhecimento desses atores. Não é aposta porque não irá se perder nada de forma alguma, pelo contrário. Só ganharemos celebrando esses grandes artistas.
Qual o maior desafio para um ator mais experiente dentro de produções como novelas?
Em relação aos outros eu não vou saber exatamente, mas sobre mim, acho que dificuldades físicas são mais fortes. Minha maior dificuldade é decorar. Eu trabalho com o ponto em cena, isso já há alguns anos, mas só isso mesmo. O resto, a vivência, o trabalho, as relações, é tudo a mesma coisa de sempre.
O que o senhor diria para um autor que está considerando a criação de um papel com idade mais avançada em sua novela?
Crie imediatamente! Coloque esse personagem imediatamente. Autor que não incorpora a terceira idade na dramaturgia está perdendo muito. Seria a coisa mais inteligente para se fazer. Inclusive, não só sugeriria para ele criar tal papel, como também indicaria que me convidasse para interpretar.