Como Mara em Terra e paixão, a atriz de 37 anos vive, pela segunda vez seguida, o drama de uma mulher que sofre violência doméstica em uma novela das 21h, da TV Globo. Em Um lugar ao sol, sua personagem foi vítima de feminicídio
Por Patrick Selvatti
Não foi ontem que a teledramaturgia passou a retratar a violência contra a mulher, um triste drama apresentado diariamente pelos noticiários. Mesmo nas novelas, que são as produções mais afetadas pela tesoura da sociedade conservadora, o tema delicado vem sendo trabalhado há algum tempo — prova disso é a reprise de Mulheres apaixonadas, no ar em Vale a pena ver de novo, que, 20 anos atrás, escancarou para as famílias brasileiras o drama de uma professora de classe média alta, bonita, inteligente e bem-sucedida, mas que era vítima das agressões e torturas psicológicas e físicas de um homem aparentemente refinado e polido, porém violento, cruel e perverso. Atualmente, entretanto, o assunto tem sido mais recorrente — e que bom que esteja, embora seja reflexo de uma realidade dolorosa. “De seis em seis horas, uma mulher é morta pelo marido, todos os dias. Ainda há muitos problemas na gestão pública, precisa de mais estrutura e atenção e, enquanto isso caminha lentamente, fazemos a nossa parte entrando nas casas de cada uma dela pela TV”, observa a atriz Renata Gaspar que, nos seus dois últimos trabalhos em rede nacional, emprestou sua pele para mulheres que sentem na carne a tragédia cotidiana.
Em Terra e paixão, no ar às 21h na Globo, Mara é uma empresária bem-sucedida, dona de uma transportadora, casada com Elias (Lourinelson Vladmir), um homem rude e abusador. No trabalho anterior, Um lugar ao sol, produção de 2021 da emissora no mesmo horário, Stephany era uma manicure que também habitava um ambiente de violência doméstica e, no final, foi vítima de feminicídio pelas mãos do ex-companheiro, Roney (Danilo Grangheia). Intérprete dessas duas vítimas, Renata Gaspar acredita ser “de uma importância sem tamanho” tocar nos assuntos relacionados e representar tantas mulheres que passam por essas violências diariamente e ainda não veem saída. “Me sinto parte de algo muito maior, um resgate de todas nós. A arte tem esse poder, de atravessar estruturas rígidas que parecem não se mover, mas ela atravessa. Uma mulher se sentir representada ou entender que aquilo que acontece com ela dentro de casa não é normal é o primeiro questionamento, o começo de algo. Não é fácil pedir ajuda”, reflete a atriz, de 37 anos.
Em Terra e paixão, Mara encontrará uma saída para a violência doméstica ao se aproximar de Menah (personagem da estreante em novelas Camilla Damião) e elas terão um relacionamento homoafetivo. De acordo com Renata, a ideia é apresentar ao público uma história de amor, de duas mulheres que puramente se gostam e querem ficar perto uma da outra. “Achei um grande avanço elas não questionarem a sexualidade, como se fosse algo que sempre precisasse ser questionado, como se fosse raro ser homossexual, bissexual ou etc. Acho bonito esse encontro em que você realmente pode contar com aquela outra pessoa. Acho que a Mara encontra na Menah não só uma paixão, mas também muito acolhimento”, descreve a artista paulistana.
No cinema, Renata também deu vida a uma personagem homossexual: Micaela, no drama Amores urbanos, de Vera Egito. No filme de 2014, em que três amigos se encontram no auge de suas vidas, passando por desilusões e decidindo o futuro de suas carreiras, ela é uma mulher lésbica que sofre com o fato de ter seu relacionamento mantido em segredo. Na vida real, Renata é casada, desde 2020, com Bebel Luz, sua companheira desde 2017. As duas, aliás, explicitaram o mútuo amor que as une durante a participação de Renata no programa Encontro do último dia 13. “Eu te amo muito, muito, muito. Você é uma pessoa muito doce e especial no que você faz, uma monstra e eu só torço por você“, declarou Bebel. “Você é incrível. Eu te admiro muito e isso é o que acho mais forte em uma relação. Nós temos uma parceria, nós temos aquilo de uma querer que a outra seja feliz e iluminada. Nós realmente sentimos uma admiração muito grande uma pela outra”, devolveu Renata.
Dramédia
Reconhecida por seus trabalhos em programas de humor, Renata Gaspar despontou na televisão por meio da série Descolados, exibida pela MTV em 2009, mas se tornou nacionalmente conhecida ao participar do humorístico global, Tá no Ar: a TV na TV, ao lado de Paulo Vieira, de 2014 a 2019. Na mesma emissora, atuou no seriado Chapa quente (2015/16), estrelado por Ingrid Guimarães, e protagonizou a série Pais de primeira (2018). “Sempre gostei de fazer drama e comédia. Aliás, a dramédia é a minha grande preferência. Sinto que a comédia está no meu sangue e corre naturalmente, vivo a comédia 24 horas por dia, é o que seria mais natural e fluido pra mim, mas, ao mesmo tempo, amo mergulhar fundo nos personagens e ir lá ver seu lado mais obscuro, confuso, dolorido. Acho que apenas gosto muito de atuar e entrar nas diversas mentalidades”, explica a versátil artista.
Nessa linha mais cômica e leve, Renata atualmente apresenta um podcast chamado Se demorar a gente espera, que fala sobre o universo da profissão de artista. “A gente mostra todo aquele perrengue que vocês não sabem que vivemos. Eu e [a também atriz] Mayara Constantino entrevistamos atores e outras funções do audiovisual ou do teatro também. Sinto que é importante o ator e o ouvinte saberem também como cada função acontece e como todos são igualmente importantes pra contarmos uma história. E claro, dar uma zuada nisso tudo também”, diverte-se a aquariana.