Dom Pedro II fica sob os holofotes em Nos tempos do imperador. Trama marca a volta de Selton Mello aos folhetins e a da Globo às produções inéditas
Vinte e um anos separam o fim de Abelardo, em A força de um desejo, da estreia de Dom Pedro II, de Nos tempos do imperador. Esse é o intervalo que o ator Selton Mello ficou afastado das novelas — não da televisão, frise-se. Só essa volta já despertaria a curiosidade em torno da novela de Thereza Falcão e Alessandro Marson que estreia segunda-feira (9/8). Mas a expectativa ainda é maior porque Nos tempos do imperador é a primeira novela inédita da emissora a começar a ser exibida após a pandemia.
“São mais de 20 anos. É muito tempo. Fazer novela é um trabalho intenso. Admiro quem consegue fazer uma atrás da outra. Ao mesmo tempo, é muito bom fazer. É a minha escola, a minha raiz. É como se eu estivesse voltando para casa”, afirma Selton Mello, em entrevista coletiva de lançamento da trama.
O ator explica que o fato de o personagem ser Dom Pedro II também o empolgou: “D.Pedro II é um personagem muito importante, mas que foi pouco contado. E nessa novela é um pouco como fazer dois personagens: o homem e o imperador.”
Essa dualidade de Dom Pedro II, não só entre o homem e o governante, mas também entre as ideias dele, dará o tom de Nos tempos do imperador. “Numa obra longa é mais fácil mostrar as várias faces de um personagem. Em 156 capítulos, há contradições de D.Pedro II, como a Guerra do Paraguai, por exemplo”, afirma o autor Alessandro Marson.
A autora Thereza Falcão conta que ela e Alessandro escolheram “destacar a relação de D. Pedro II com o ensino, com o patrocínio da ciência e da cultura, entre tantas coisas”, mas se apressa a esclarecer que não estaremos diante de uma “novela chapa branca.” Ela exemplifica com a questão da abolição da escravatura. D. Pedro II era favorável à abolição, mas, politicamente, era uma decisão complicada para ele. “Ele se sentia amarrado ao Senado na questão da escravidão e, para ele, a constituição tem a força de uma Bíblia”, explica.
No lado pessoal, Dom Pedro II é casado com a imperatriz Teresa Cristina (Letícia Sabatella), mas mantém um caso extraconjugal com Luísa (Mariana Ximenes), a condessa de Barral, a quem é confiada a educação das princesas Leopoldina e Isabel. “Esse é um assunto sobre o qual pouco se falava. Só foi escancarado no século 20”, diz Thereza.
O diretor da novela, Vinícius Coimbra, garante que o “Brasil vai se emocionar ao falar de um grande governante”. E ressalta que, além de divertir, o folhetim “faz a gente refletir sobre as escolhas eleitorais, sexistas, racistas.”
Personagens
Nos tempos do imperador é a continuação de Novo mundo, novela escrita por Thereza e Alessandro em 2017 e que tinha Caio Castro como Dom Pedro I. A autora reforça que a grande diferença entre as duas novelas é que, na primeira, o império era personagem, com várias figuras estrangeiras importantes. Agora, o foco é no Brasil. “Já temos um Brasil estabelecido, com poucos personagens estrangeiros e com identidades nacionais se formando”, afirma.
Além de D.Pedro II, outros tipos devem chamar a atenção. O vilão Tonico Rocha (Alexandre Nero) é um deles. “A gente busca identidades brasileiras, como, por exemplo, a licença de trazer um coronel que poderia ser um personagem de Jorge Amado: o Tonico”, define Thereza Falcão.
Alexandre Nero classifica o antagonista, que exala racismo, machismo e preconceitos, como “absurdo”, mas logo pondera que é um personagem atual, pois, “se cada um olhar bem dentro de si, vai ver que um chip do racismo, do preconceito, está lá.”
Tonico é abandonado no altar por Pilar (Gabriela Medvedovski), uma espécie de mocinha romântica, mas que não tem nada de boba. “Ela é a mocinha, mas não é uma trama maniqueísta. Encontrar essa humanidade nela é um desafio”, afirma a atriz. Pilar foge para se casar com o escravo fugitivo Samuel (Michel Gomes). “Eles não veem a cor como uma questão para o amor deles. Eles se conectam pelos ideais, por serem revolucionários dentro das próprias lutas”, acrescenta Gabriela.
Thereza e Alessandro escolheram tocar no assunto da abolição da escravatura de uma forma pouco usual: sob a ótica dos próprios negros. “Queríamos personagens negros que não fossem escravizados. São personagens complexos, que vão mostrar a conquista, a luta pela abolição, que foi uma vitória e não uma canetada”, esclarece Thereza.
Nos tempos do imperador terá diálogo com a realidade
Embora Nos tempos do imperador seja uma trama de época, algumas discussões trazidas ali soam como contemporâneas. “A trama traz elementos históricos transformados em coisas de hoje em dia. É inevitável comparar, por exemplo, a Pilar com a luta das mulheres para serem ouvidas, por não serem silenciadas nos dias de hoje”, compara Gabriela Medvedovski.
Mariana Ximenes também vê semelhanças entre a mulher dos anos 2020 e a condessa defendida por ela no folhetim: “Ela tem traços da mulher de hoje, como trazer delicadeza e firmeza ao mesmo tempo. Ela tem uma relação linda com os negros. Os negros no engenho dela nascem livres e ela liberta todos o que estão lá também. Ela é livre de preconceitos”, afirma.
Atemporal e de época, explorando as várias facetas de um governante pouco visto no Brasil, se comparado ao pai. Esses são os tempos do imperador, que começam segunda-feira.
A pandemia
Nos tempos do imperador sofreu impacto direto da pandemia. As gravações já haviam começado quando todas as produções da Globo foram interrompidas. Com data de estreia marcada e anunciada, a novela teve que esperar as reprises de Novo mundo, Flor do Caribe e A vida da gente para estrear. O resultado é que na semana de estreia, Alessandro Marson e Thereza Falcão entregam o último bloco de capítulos ao elenco e à direção.
“É uma sensação estranha essa de a gente caminhar para o fim das gravações e o público começando a assistir. A diferença é que está feito. É gostoso azeitar junto com o público”, avalia Alexandre Nero.
O diretor Vinícius Coimbra lembra as dificuldades: “Novela das 18h precisa de romance e tivemos que restringir cenas de beijos, de contato, mas contar a história apesar do protocolo. Foi uma estratégia de guerrilha, de não deixar a máquina parar”. Ao mesmo tempo, ele considera a pausa um “privilégio” por permitir que as cenas sejam feitas com mais calma e, algumas vezes, até refeitas.