Euphoria mais uma vez discute temas importantes, investindo em cenas potentes
Por Pedro Ibarra
“Você é um fardo/ Você é um pouco demais para mim/ Então eles recuam, fazem outros planos/ Eu entendo, sou um fardo / Te deixo louco, te faço ir embora/ Sou um pouco demais para todo mundo”, canta Lorde em Liability, música que abre F*ck anyone who’s not a sea blob, segundo episódio especial de Euphoria. A escolha da música para ser tocada enquanto as cenas da primeira temporada da série são refletidas em um dos olhos de Jules (Hunter Schafer) dá a dica do que estaria por vir: a história sob o ponto de vista da personagem.
O novo episódio especial, também conhecido como Part 2: Jules, apresenta as consequências diretas do final da primeira temporada do sucesso da HBO no que diz respeito ao psicológico da personagem de Schafer, que termina o primeiro ano do seriado fugindo da cidade em um trem. Contudo, o capítulo faz mais do que apenas continuar a história, prepara Jules para assumir um papel de protagonismo na história, antes carregado essencialmente por Rue (Zendaya).
Assim como Trouble don’t last always, primeiro especial lançado em dezembro, o novo episódio teve que ser feito sob rígidas regras sanitárias, gravado em meio a um período grave da pandemia, e contou com equipe e elenco reduzidos. Portanto, a escolha de enredo foi uma sessão de terapia de Jules, o que deu espaço para a atriz brilhar e entregar uma atuação profunda e sensível de uma personagem que só era possível ver em fragmentos. Agora, o público é capaz de entender o motivo de certas ações da persona de Hunter Schafer.
Diferentemente do primeiro episódio, em que Zendaya tem ajuda do especial Colman Domingo e criam juntos o importante diálogo entre os próprios personagens Rue e Ali, Hunter Schafer interpreta praticamente um monólogo. A atriz, jovem e com apenas Euphoria no currículo, apresenta uma longa extensão de emoções e se entrega em uma atuação física e mental, tornando Jules mais próxima e alcançável, com problemas e inseguranças empáticos.
Temas do segundo episódio especial de Euphoria
Os temas, talvez, sejam a parte mais interessante da produção, que mais uma vez mistura importantes discussões sociais dentro de um mergulho da personagem. O episódio é coescrito por Hunter Schafer, e essa escolha não foi em vão. A trama trata, principalmente, sobre a construção de feminilidade e os desafios sociais e emocionais e a solidão da mulher transsexual. A atriz é uma mulher trans e a forma como ela fala sobre o tema na pele de Jules é muito real, chegando às vezes transpassar a tela e parecer uma pedido por compreensão vindo da própria intérprete.
O amor é um forte ponto explorado, Jules foi uma personagem que pecou por amar demais durante toda primeira temporada da série, se apaixonou por Rue e por Tyler, alter ego virtual falso que Nate (Jacob Elordi) usa para enganar e chantagear a personagem. Assim, em todos os momentos ela estava colocando o amor pelos outros à frente do que queria para si mesma, inclusive a fuga que tenta no final da primeira temporada foi uma ideia da Rue.
A partir do entendimento das opções do enredo, fica claro o impacto da escolha de Liability da Lorde. A música da neozelandesa fala sobre uma mulher que é sempre considerada “um pouco demais” para as pessoas que se relaciona, mas encontra a mulher da própria vida em si mesma. Aos poucos, fica claro que essa é jornada que Jules deve buscar: encontrar amor e felicidade em si mesma. Antes misteriosa, soturna e muito mais apelativa esteticamente, agora tem um caminho a trilhar como personagem central da série.
O que os especiais significam para o futuro da série?
Trouble don’t last always e F*ck anyone who ‘s not a sea blob são dois especiais independentes, não estão atrelados as temporadas e servem apenas para tapar o buraco deixado pela impossibilidade de gravações da série nos tempos de pandemia. No entanto, eles dão pistas de como a série vai se desenvolver, pelo menos no núcleo do casal de protagonistas. As duas estão mais próximas do que no final da última temporada e foi adicionada muita profundidade, tanto nelas individualmente, quanto na relação que devem ter a partir de agora.
Marcada para ser gravada em 2021, mas ainda sem data exata, Euphoria agora tem a difícil missão de seguir os passos de dois especiais que elevaram a complexidade da discussão que estavam propondo. No entanto, Sam Levinson também mostrou que é capaz de entregar algo além de um drama de problemas adolescentes, que consegue inserir no contexto temas delicados de forma certeira e transformar Euphoria em uma série capaz de moldar uma nova geração de fãs.