Com mudanças relativamente pequenas, os realitys conseguiram nova energia em termos de audiência em um ano muito conturbado
Seja com o fogo “no feno” ou “no parquinho”, um dos grandes destaques do mundo dos realities shows em 2020 foram os já veteranos A fazenda e o Big brother Brasil, respectivamente da Record TV e da Rede Globo. Os programas, neste ano ganharam uma popularidade singular e provaram que idade, pelo menos na TV aberta brasileira, não significa falta de fôlego.
A vigésima edição do reality da rede do plim plim talvez tenha sido o que mais apostou em novidades. Com estreia no já longínquo 21 de janeiro, o BBB20 apresentou, pela primeira vez, um formato com a presença de “celebridades”. De resto, em essência, a dinâmica do reality não mudou muito. O resultado, entretanto, pareceu mais o de um programa completamente renovado: a final do reality, em 27 de abril, teve a maior audiência desde 2010, com picos de 34 pontos no Ibope da Grande São Paulo. A média durante a temporada ficou em 26 pontos.
Na outra ponta da “guerra das emissoras”, A Fazenda apresentou em 2020 a 12ª edição com um também interesse revigorado do público. Se na Globo a chegada das celebridades foi a grande novidade, na Record a fórmula é a grande base do reality em 12 edições. Mesmo assim, a “repetição” do formato não significou um fracasso, muito pelo contrário: o reality levou a emissora ao cobiçado primeiro lugar de audiência com uma média de 14,4 pontos da Grande São Paulo. No pico, A Fazenda bateu os 16 pontos na faixa de exibição das 22h46 à 0h17.
Na onda da Record, importante citar também o novato Game dos clones (exibido em parceria com a Prime Vídeo, da Amazon). O reality que brinca com o “gosto” em relacionamento dos participantes seguiu firme na vice-liderança das sextas-feiras. A estreia do programa comandado pela Sabrina Sato teve uma média de 8,9 pontos na média da Grande São Paulo, ainda em outubro, puxado pela audiência d’A Fazenda.
Mas o que explica o sucesso desses realitys em 2020? Apenas sorte?
Segundo o jornalista e autor do livro A dinâmica dos reality-shows na televisão aberta brasileira, Cláudio Ferreira, a resposta não é clara, mas é possível fazer um paralelo com o momento do mundo em 2020. “Na minha opinião, o sucesso dos realities shows de confinamento é sempre um mistério, porque depende da empatia do público com os participantes e isso muda a cada edição. Mas, neste ano, temos um elemento novo: o confinamento também passou a fazer parte das nossas vidas por conta da pandemia do coronavírus. Quem sabe o telespectador isolado socialmente, obrigado a se confinar, não tenha se identificado com quem vai ‘profissionalmente’ para um confinamento que é transmitido para todo o país?”.
Ao Próximo Capítulo, o autor explicou também qual o grande atrativo que mantém o interesse do público nos realities mesmo após tanto tempo: “Porque gostamos muito de saber da vida dos outros, tanto de pessoas comuns quanto de celebridades. E os realitys shows estabelecem uma dicotomia entre realidade e ficção, entre comportamentos naturais e a artificialidade provocada pela vigilância constante. O público, nestas duas décadas de entrada do gênero no país, acabou “aprendendo” a se divertir com essas contradições”.
E se, no aspecto geral, a impressão que pode ficar é de certa “preguiça” das emissoras em mudar, ou inovar, quando se trata do formato, Ferreira defende que a letargia nessas alterações são mais pensadas como um “porto seguro” de audiência para as emissoras: “São programas com pouca renovação, até pelo medo de perder o público conquistado. Há edições com mais diversidade de participantes, tentando escapar dos padrões de beleza, por exemplo, mas, no geral, as emissoras confiam mais na química que pode haver entre os participantes do que em novidades”.
Sucesso dos realities na web
Outro fator, que não é necessariamente uma novidade, mas pode ter ajudado para o sucesso do BBB e de A Fazenda em 2020 foi a interação e o engajamento no mundo virtual. “As redes sociais fazem tudo repercutir com mais rapidez e talvez beneficiem mais os participantes individualmente do que os programas. Mas a internet como um todo permite acompanhar o que acontece nos realitys shows sem necessariamente assistir aos programas, o que é uma vantagem nesses tempos em que as pessoas não ficam mais tanto tempo diante da televisão”, aponta.
E esse “acompanhamento” é refletido em números. Segundo comunicado oficial do Twitter à imprensa brasileira, em 8 de dezembro, um levantamento da plataforma mostrou que — até novembro — o Big brother Brasil 20 “bateu todos os recordes em Tweets (tuítes)” no ano com mais de 278 milhões menções. O número equivale a 10 vezes o registrado em 2019. Na categoria “reality/talent”, os programas mais comentados da plataforma foram (nesta ordem) o BBB20, A Fazenda 12, De férias com ex Brasil, MasterChef Brasil e o The voice kids.
Bom, e se após 20 anos, os realities de confinamento ainda seguem em alta, o que esperar dos próximos 20? “Não sei se esses programas especificamente (o BBB e A Fazenda) aguentam mais uma década de exibição, mas o gênero reality show é muito diversificado, é uma fonte quase inesgotável de entretenimento a custo mais baixo, por exemplo, do que uma novela. As competições sempre divertiram o telespectador e as emissoras, ou as produtoras de conteúdo, que tiverem boas ideias vão poder continuar a investir no gênero ainda por muito tempo. Os patrocinadores, por sua vez, parecem continuar interessados em apoiar os reality shows”, sugere Ferreira.