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Unicef alerta para o risco de aumento do trabalho infantil na pandemia
Em Brasília, a campanha “Educar para mudar” arrecada livros e brinquedos para ajudar crianças e combater esse tipo de exploração
No Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil (12/6), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz um alerta sobre o risco aumentado do trabalho infantil durante e após a pandemia.
O Unicef fez um apelo às empresas para reforçar seu compromisso com a implementação da Lei da Aprendizagem, visto que ela é uma das formas de combater o trabalho infantil.
De acordo com a instituição, o acesso à educação, combinado com uma formação técnico-profissional e uma opção de renda, se mostra ainda mais importante em um período de pós-pandemia, para que adolescentes possam permanecer na escola.
“Com as escolas fechadas para prevenir a transmissão do vírus, e a pobreza se acentuando, o trabalho pode parecer, equivocadamente, uma forma de meninas e meninos ajudarem suas famílias”, explicou o Unicef, em nota.
“Mas ele impacta o desenvolvimento físico e emocional das crianças e pode impedir a continuidade da educação, reproduzindo ciclos de pobreza nas famílias — além de ser porta de entrada para uma série de outras violações de direitos, como a violência sexual”, continuou o documento.
Campanha de doação de livros e brinquedos começa nesta sexta-feira (12/6)
Começa, nesta sexta-feira (12/6), em Brasília, uma campanha para doação de brinquedos e livros. Com o slogan “Educar para mudar”, a ação de solidariedade receberá doações em oito pontos, concentrados em Asa Sul e Lago Sul. As entregas podem ser feitas até 12 de julho.
Idealizado pela advogada Tayane Dalazen, sócia do escritório Dalazen & Pessoa, o movimento de arrecadação de livros é resultado da mobilização da sociedade civil em prol da causa.
As doações serão destinadas às seguintes instituições: Instituto Proeza (Recanto das Emas); Centro de Ensino e Reabilitação (Asa Sul); Vida Positiva (Asa Sul); Casa Transitória de Brasília (Unaí); Ampare – Associação Mães, Pais e Amigos na Recuperação de Especiais (Asa Norte); Casa Abrigo e Escola Desenvolvedora.
Pontos de coleta:
Lago Sul:
- Gilberto Salomão: SHIS, QI 5, Conjunto 16
- OBA Hortifruti: SHIS, QI 9, Bloco B e SMDB
- SP Brands: SHIS, QI 9, Bloco G, Lojas 4/5
Asa Sul:
- Belini Pães e Gastronomia: CLS 113, Bloco D, Lojas 35/36
- TAVE Pharma: CLS 209, Bloco B
- Bullguer: CLS 410, Bloco C, Loja 5
- Versão Brasileira Bar e Restaurante: CLS 204, Bloco A, Loja 2
- Nube Café: SEPS 710/910, Centro Clínico Via Brasil, Loja 28
Campanha alerta para risco de aumento do trabalho infantil na pandemia
No mês em que se comemora o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil (12/6), entidades organizam programação para conscientizar sobre o problema
“Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” é o tema da campanha nacional pelo Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, celebrado na sexta-feira (12/6). Ao longo deste mês, entidades que combatem a prática debaterão causas e soluções para erradicá-la. Por causa do isolamento social, as atividades serão virtuais.
A campanha é organizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). As atividades começaram na terça-feira (9/6), com o lançamento da música Sementes, dos rappers Emicida e Drik Barbosa.
Além de webinários e roda de conversas, a programação conta com vídeos produzidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e pela Orquestra Sinfônica Juvenil Carioca. Outro momento marcante será a iluminação do Cristo Redentor em azul, na sexta-feira (12/6), das 19h às 20h, em homenagem à data.
Confira a programação completa:
>> 12 de junho
17h – Webinário “Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”
Participantes: jornalista Flávia Oliveira; secretária executiva do FNPETI, Isa Oliveira; filósofa Djamila Ribeiro; ministra do TST Kátia Arruda; ex-diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo; procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real; auditor do Trabalho Antônio Júnior; e líder de projetos LED-FRM Maria Corrêa.
Transmissão: canal do TST no YouTube
19h – Iluminação do Cristo Redentor
Divulgação do vídeo da Orquestra Sinfônica Juvenil Carioca – Orquestra das Escolas – Secretaria Municipal de Educação RJ
Plataforma: canal da Orquestra nas Escolas no YouTube
>> 15 de junho
15h – Live: “Combate ao trabalho infantil – diálogos e reflexões no âmbito social”
Participantes: Regina Leão – Conanda e Pastoral do Menor RJ; Elizabeth Serra – Rede Rio Criança; Sérgio Henrique Teixeira – Associação dos Conselheiros Tutelares do Estado do Rio de Janeiro (ACTERJ); Eugênio Marques – Superintendência Regional do Trabalho -SRTb/RJ e FEPETI/RJ
Plataforma: canal da Rede FIA no YouTube
>> 16 de junho
15h – Roda de conversa: “A participação das entidades formadoras da aprendizagem nas ações de erradicação do trabalho infantil”
Participantes: Glória Mello – representante da AMATRA1 no Acordo de Cooperação para Combate ao Trabalho Infantil no Estado do Rio de Janeiro e no FEPETI-RJ; Ana Paula Rosalino – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSODH); Isabelle Ranzeiro – Camp Mangueira e FEAP/RJ; Eugênio Marques – SRTb/RJ e FEPETI/RJ
Plataforma: canal do FEAP-RJ no YouTube
>> 23 de junho
Roda de conversa: “Os ras na identificação e no acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil na cidade do Rio de Janeiro – o Peti em questão”
Participantes: diretores e técnicos dos Cras, Deildo Jacinto dos Santos e Fabiana Pereira – Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos – SMASDH/Rio
Exemplo no combate à mortalidade infantil no interior RS
A OIT reconheceu o Programa de Aprendizagem Rural da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), no Rio Grande do Sul, como uma iniciativa inteligente no combate ao trabalho infantil. De acordo com a organização, o projeto, integrante do Programa Alcançando a Redução do Trabalho Infantil pelo Suporte à Educação (Arise), facilita o processo de transição da escola ao trabalho rural, possibilita o aumento da produtividade e lucratividade das propriedades familiares e tem alto potencial de replicabilidade. As conclusões estão em relatório da instituição.
Confira minidocumentário sobre o projeto:
MINIDOCUMENTÁRIO – Futuro no Campo com Aprendizagem Rural
Você sabia que no dia 28 de abril é comemorado o Dia Internacional da Educação? 🎥 Para celebrar a data, estamos lançando o minidocumentário “Futuro no Campo com Aprendizagem Rural”, mostrando que, assim como nos centros urbanos, no campo a educação também transforma vidas. A produção aborda os benefícios do Programa de Aprendizagem Rural, que acontece na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC), no interior do Rio Grande do Sul.Por meio do pilar de Políticas Públicas do ARISE, viabilizamos que a Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas (AGEFA) se tornasse uma instituição qualificadora do processo de aprendizagem. Assim, jovens em situação de vulnerabilidade social ou baixa renda ganharam a oportunidade de estudar e ingressar no mercado de trabalho de forma protegida, como aprendizes da EFASC. 🤝O expediente como aprendiz é cumprido no curso técnico, com horas de trabalho realizadas nas propriedades rurais desses jovens e as horas técnicas na EFASC. Os aprendizes ainda são beneficiados com meio salário mínimo, por meio da cota social das empresas parceiras, entre elas a JTI.Para conhecer essa história, aperte o play e veja como nós, do ARISE, estamos contribuindo para transformar realidades por meio da educação. 💚
Publicado por ARISE Brasil em Terça-feira, 28 de abril de 2020
Desde que foi iniciado, em 2018, o Programa de Aprendizagem formou 49 aprendizes e, hoje, apoia mais 126 jovens. Um dos principais destaques foi ter conseguido resolver as dificuldades para efetivação da Lei das Cotas de Aprendizagem no contexto da agricultura familiar.
O texto prevê que empresas de médio e grande porte ofertem entre 5% e 15% das vagas de trabalho para jovens aprendizes de 14 a 24 anos. Essa é uma política consagrada no combate ao trabalho infantil, pois consegue garantir uma transição escola-trabalho segura aos jovens que estão em uma idade muito vulnerável a esse problema. Porém, a aplicação da lei era difícil no contexto rural, já que há poucos postos formais de trabalho disponíveis.
Os adolescentes que participam do Programa de Aprendizagem são contratados como jovem aprendiz pela Japan Tobacco International (JTI), mantenedora do Arise, e outras empresas, tendo a carteira assinada, recebendo salário e outros benefícios, mas sem cumprir expediente nelas. Eles trocam a carga horária de trabalho por aulas no curso para formação como técnico agrícola. Além disso, participam de atividades práticas na escola e nas propriedades de suas famílias de forma protegida e respeitando a legislação vigente.
Artigo: presidente de associação estudantil se posiciona contra o trabalho infantil
O dirigente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Gorki, escreveu artigo sobre o fato de o presidente da República, Jair Bolsonaro, tersugerido em live no Facebook que o trabalho infantil não causa prejuízos .
Intitulado “O exterminador de futuros”, o texto repudia as declarações de Bolsonaro, consideradas “infelizes” e “dignas de indignação de qualquer um que realmente defenda o direito à vida e dignidade do povo brasileiro”.
Além disso, Gorki explica, no artigo, a diferença entre trabalho infantil e atividade voluntária educativa. Segundo o presidente da Ubes, “a deputada que vendeu brigadeiro para pagar aulas de tênis, o juiz que trabalhou numa loja da família e ganhava todo mês um salário mínimo” nada tem a ver com trabalho infantil. “Ele (o trabalho durante a infância) está relacionado à evasão escolar, à falta de alternativas e de futuro”, diz.
Confira o artigo na íntegra:
O exterminador de futuros
por Pedro Gorki
Vivemos um tempo de naturalização do absurdo. De retrocessos humanos e civilizacionais. É nesse contexto que o presidente do Brasil aparece como exterminador de futuros e nos faz questionar se teremos algum. Depois de décadas de grande esforço mundial para erradicar o trabalho infantil, que persiste no mundo, principalmente nas regiões mais pobres, o presidente brasileiro vem a público dizer que trabalho infantil não causa nenhum mal. E que ele teria trabalhado desde os 9 anos de idade, no que foi prontamente desmentido pelo próprio irmão. Poderíamos creditar essa declaração de Bolsonaro apenas à ignorância, não fizesse ela parte de um conjunto de declarações e medidas que levam nosso país a décadas de retrocesso.
A declaração de um presidente, por mais imbecil que seja, sempre tem muita repercussão. E depois da fala infeliz sobre a naturalidade do trabalho infantil, não faltaram depoimentos de “celebridades” atestando o quanto o “trabalho” na infância lhes fez bem. A deputada que vendeu brigadeiro para pagar aulas de tênis, o juiz que trabalhou numa loja da família e ganhava todo mês um salário mínimo, e por aí vai.
Essas pessoas não têm a menor noção do que é o trabalho infantil. O trabalho infantil é internacionalmente entendido como a atividade, onerosa ou não, inadequada ou nociva ao desenvolvimento pleno da criança e do adolescente. Conforme o marco jurídico do Brasil, o trabalho infantil é a atividade realizada pelas crianças e ou pelos adolescentes que estão abaixo da idade legal mínima permitida para figurarem como sujeitos da relação de emprego. A denominação trabalho infantil é um conceito negativo e que designa o trabalho degradante da condição humana da criança e do adolescente. Distingue-se assim entre o que é o trabalho infantil e o que é a Atividade Voluntária Educativa.
O trabalho infantil, também chamado de infantojuvenil, é o termo que serve para designar o trabalho nocivo, por se reportar à atividade prejudicial ao bem-estar e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. Não se trata de discutir aqui sobre o trabalho de caráter livre, cooperativo, educativo e socializador, como, por exemplo, aquele realizado pela criança ou adolescente em seu próprio lar, de forma não ostensiva, com a finalidade solidária de repartição igual e adequada das tarefas, sem afetar a sua integridade e sem comprometer negativamente a sua saúde, o tempo de estudo e de lazer. Ou seja, o que fazia a deputada que queria pagar aulas de tênis ou do ministro que ajudava na empresa da família, nada tem a ver com trabalho infantil.
O trabalho infantil a que muitas crianças e adolescentes são obrigados é o que deixa meninos e meninas com as mãos queimadas por ácido e perdem as digitais dos dedos no processo de quebra da castanha de caju, como mostrou uma reportagem do jornal Folha de São Paulo, ainda em 2013, no Rio Grande do Norte. Ele está relacionado à evasão escolar, à falta de alternativas e de futuro.
A proteção à infância é um dos direitos sociais garantidos na Constituição Federal e teve avanços importantes nesses 30 anos desde sua promulgação, no combate ao trabalho infantil. A exploração de mão de obra de crianças foi fortemente reduzida, enquanto o trabalho ilegal de adolescentes também virou alvo de ações governamentais. O novo desafio é manter o ritmo da queda, coisa que não vamos conseguir se depender das declarações do presidente.
Diz o artigo 6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
As infelizes declarações do Presidente da República são dignas de indignação de qualquer um que realmente defenda o direito à vida e dignidade do povo brasileiro. Num país com tamanha desigualdade é no mínimo absurdo e bizarro o Estado abrir mão da defesa do direito ao sonho, esperança e educação da juventude.
Quem realmente defende “Brasil acima de tudo” e preza pela soberania do nosso país sabe que não há soberania popular maior do que todas as crianças brasileiras terem casa pra morar, comida pra comer, escola pra estudar e sonho pra sonhar.
Lutamos para que o slogan “as crianças são o futuro do Brasil” não seja apenas discurso e sim realidade. Delas e de nossa luta depende se realmente teremos um futuro.
Trabalho e escravidão infantil são grandes problemas em Gana
Em todo mundo, o trabalho infantil atinge mais de 152 milhões de crianças e adolescentes, dos quais 120 milhões têm entre 5 e 14 anos. A escravidão ainda é realidade para cerca de 10 milhões de meninos e meninas. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e da Fundação Walk Free. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que existam 1,8 milhão de crianças e adolescentes trabalhando. Gana, país da África ocidental, com população mais de sete vezes menor e território 35 vezes inferior, tem mais pessoas até 14 anos nessa situação do que o Brasil: um total de 2 milhões, atuando especialmente com pesca e exploração de cacau. O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) avalia que 200 mil menores ganenses atuam nas piores formas de trabalho infantil.
Num contexto de miséria e dificuldades, os filhos aprendem a ajudar os pais em atividades laborais desde cedo. Mais grave ainda é o problema da escravidão infantil, ainda muito comum no país. Meninos e meninas acabam vendidos por quantias a partir de R$ 60. Em muitos casos, as famílias acreditam que os filhos viverão melhores com esses feitores do que em casa, pois pelo menos terão uma refeição garantida por dia. Apesar de haver leis e planos do governo para erradicar o problema, a legislação não é tão duramente aplicada. Então, a situação está mudando, mas a passos lentos. Na região do Lago Volta, no leste do país, 20 mil crianças pescam para senhores de escravos, segundo a OIT.
James Kofi Annan é presidente e fundador da ONG Challenging Heights, voltada para o resgate e a reabilitação de meninos e meninas escravos, além de combate ao tráfico infantil. Ele observa que o governo está ciente da questão e tem tomado medidas, com a ajuda de entidades como a que ele representa, mas as providências não podem ser radicais, pois isso geraria revolta. “Para muitas famílias, enviar os filhos para o Lago Volta já se tornou quase uma tradição. Se você vem e acaba com isso de uma vez, não seria bem recebido”, diz. Então, a estratégia é mitigar o problema, uma criança por vez.
“Há esperanças. Não temos estatísticas precisas, mas, antes, víamos seis meninos trabalhando por barco. Hoje, vemos dois, dificilmente, três por barco. Está melhorando. Somos empoderados por lei para lidar com isso”, comenta. Por sua ação nesse sentido, Kofi Annan ganhou o World’s Children’s Prize, em 2013. Desde 2005, ele ajudou a resgatar mais de 10 mil crianças escravizadas ou em risco de escravidão, além de ter apoiado financeiramente 2 mil mães. Essa é uma missão pessoal para ele, que foi escravo enquanto menino no Lago Volta.
Problema persistente
Gana é uma das poucas democracias estáveis e sem guerra civil da África e, recentemente, passou para o status de país de renda média. Apesar de, em termos de desenvolvimento, a nação apresentar situação mais favorável do que várias outras do continente africano, há muitos desafios a enfrentar. O Unicef avalia que as crianças ganenses pobres de hoje provavelmente não vivem em melhores condições do que as de algumas décadas atrás. No que diz respeito à escravidão, isso também é verdade. Assim como Kofi Annan foi servo há décadas, há meninos e meninas vivendo essa realidade hoje. O fundador da Challenging Heights estima que tem 45 anos, já que não foi registrado ao nascer. Não saber a data de nascimento é comum em Gana, onde há muito analfabetismo.
Ele foi escravo dos 6 aos 13 anos, quando quase que por um milagre fugiu. O ganense carrega no corpo as marcas do sofrimento. “Quando errávamos, desobedecíamos ou tentávamos fugir, a punição era severa para servir de lição para os demais”, diz. Muitas vezes, apanhou na cabeça com um remo de madeira, ou recebeu um tapa na cara, por algo tão banal quanto conversar com outra criança. “Numa das vezes que fui pego tentando escapar, fui enforcado, quase morri, tenho cicatrizes no pescoço até hoje”, conta. O Volta é um dos maiores lagos artificiais do mundo, criado em 1965. A água encobriu uma área com muitas árvores, o que tornou o reservatório rico em peixes, por causa dos nutrientes. A vegetação submersa prende redes de pesca e barcos. As crianças em servidão ali são usadas como ferramentas para desprender esses equipamentos. No entanto, muitas mergulham e não conseguem voltar à superfície.
Meninos e meninas são preferidos para essas funções, pois são mais facilmente dominados. E quanto mais novos, mais cobiçados, pois têm mais chances de esquecer os pais, portanto, terão menos risco de querer escapar. Ali, é possível encontrar garotos tão novos quanto aos 4 anos de idade trabalhando quase 20 horas por dia. Ali, crianças são submetidas a trabalhos forçados, são impedidas de frequentar a escola, e são controladas por pescadores por meio de intimidação, violência e limitado acesso a comida. Pelas más condições, muitas vivem doentes, sofrendo de males como a esquistossomose, e desnutridas. Kofi Annan estima que a cada cinco crianças, uma morra por maus-tratos, por doenças ou por afogamento.
Depoimento /James Kofi Annan
A história de vida de James Kofi Annan é tão sofrida que os três filhos dele não aguentaram que ele a contasse toda. “Eles choram, não conseguem escutar”, comenta. Confira agora um relato sincero sobre como foi parte da vida dele:
“Eu sou o mais novo dos 12 filhos da minha mãe — e o único que foi à escola, muitos anos depois. Meus pais eram analfabetos, agricultores e pastores. Vivíamos numa vila pequena, numa região afetada por tráfico de crianças para o Lago Volta, onde pescadores tiram vantagem delas. Quase toda casa nessa região era afetada pelo tráfico naquela época. São meninos e meninas que não reclamam e trabalham por longas horas, pescando. Esses pescadores, muitas vezes, eram inclusive parentes dessas crianças. Ou, se não, conhecidos. Chegavam à vila bem-vestidos e diziam que dariam oportunidade para elas estudarem, por exemplo. Então, muitas famílias achavam que elas estariam em melhores condições indo com esses pescadores. É um problema que persiste até hoje, apesar de que, atualmente, muitos pais já sabem que os filhos serão escravizados quando os mandam para lá.
Eu fui enviado para o Lago Volta com mais ou menos 6 anos de idade, com um homem muito bem-vestido. Eu não sabia para onde estava indo nem quanto tempo passaria longe de casa. Como escravo, meu dia começava às 3h da manhã para cumprir uma jornada de 17 horas de trabalho. E todo momento era de trabalho duro. Meu dia terminava apenas às 20h e eu só comia uma vez por dia. Eu não tinha acesso a saúde ou medicamentos. Não podia brincar. Quem brincasse era repreendido com punições. Também não podia conversar. Mesmo a situação sendo muito difícil, eu não podia cometer um erro ao longo do curso do meu trabalho. E, a cada vez que cometia um erro, era torturado. Na época, eu não conhecia o conceito de escravidão, mas eu me sentia um escravo porque aquilo era doloroso, era torturante, era frustrante, era tudo o que não era bom para uma criança. Com 13 anos, eu consegui fugir, quase que por um milagre, e voltei para minha cidade natal.
Eu fui batizado em homenagem a um proeminente pastor em Gana. Quando ele morreu, a igreja decidiu que qualquer um com o nome dele devia ir ao funeral. Então, os traficantes de crianças me deixaram ir ao velório na igreja por uma obrigação religiosa. Lá, eu consegui escapar, peguei carona na estrada e andei dois dias inteiros até chegar à minha vila. Minha mãe ficou feliz de me ver, meu pai, não. Ele queria que eu voltasse, pois dizia que a minha fuga traria problemas, pois era como romper um contrato com o senhor de escravos. Eu não conseguia escrever nem mesmo o meu nome, mas eu tinha uma motivação, uma vontade muito forte de ir para a escola. Escola era como uma religião para mim. Então, com meus 13 anos, ninguém estava lá para me alimentar, cuidar das minhas roupas ou meus sapatos, mas eu me coloquei na escola e fui aprender o alfabeto. Eu comecei a pescar, plantar vegetais, fui vivendo de mangas e cocos só para sobreviver e ir à escola.
Eu não precisava de roupas ou qualquer coisa, eu sentia que eu só precisava de livros e comida. Por ter estudado, consegui trabalhar num banco. Um dia, eu voltei ao Lago Volta, e um garoto escravo me perguntou: como você escapou daqui? Ele já tinha tentado fugir diversas vezes. É por isso que comecei a Challeging Heights, para responder a pergunta que eu mesmo fiz após isso: como podem escapar essas crianças que são vendidas, usadas e eliminadas ali? Eu comecei a usar meu salário como gerente de banco para ajudar essas crianças. Em 2003, fundei a minha ONG. Cerca de quatro anos depois, deixei meu trabalho no banco para me dedicar integralmente a isso. Resgatar as crianças não é fácil, elas são ensinadas que se aparecer alguém para tentar levá-las, serão pessoas piores que os donos delas. Então, elas têm medo.
A pobreza é que causa tudo isso. Então, fazemos um trabalho para dar suporte financeiro às mães, especialmente às mães solteiras, para que elas não tenham que vender seus filhos. Desde 2005, quando a ONG foi oficializada, resgatamos 16.000 crianças e demos suporte para 2 mil mulheres. Depois que as crianças são resgatadas, ficam com a gente, passam por reabilitação e recebem ajuda para ir a escola. Há bastante retaliação dos senhores de escravos. Uma vez, entraram na nossa sede e jogaram fora todos os nossos documentos por exemplo.”
*A jornalista viajou como bolsista de primeira infância do International Center for Journalists (ICFJ), com patrocínio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV)
Center for Journalists (ICFJ), com patrocínio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV)