Por Galbi Júnior*
O documento busca ajudar a sociedade a entender os efeitos da pandemia sobre o desenvolvimento infantil e formas de atenuar os efeitos
Sentimentos de raiva, medo e ansiedade podem acabar se tornando frequentes em crianças durante o período de pandemia. Além disso, a crise pode afetar aspectos como convivência familiar, educação e segurança na vida de meninos e meninas.
Essas são algumas das conclusões do relatório “Repercussões da pandemia de covid-19 no desenvolvimento infantil”, produzido pelo comitê científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI).
O estudo busca ajudar a sociedade a entender os efeitos da pandemia sobre o desenvolvimento infantil e a procurar caminhos para atenuar os efeitos sobre as crianças brasileiras. Para conferir o arquivo completo, basta clicar aqui.
O comitê científico do Núcleo Ciência Pela Infância é composto por pesquisadores brasileiros de diferentes áreas, como medicina, enfermagem, neurociência, psicologia, economia, políticas públicas e educação.
O objetivo principal é identificar temas-chave com maior impacto sobre o desenvolvimento infantil e, assim, sintetizar, analisar e produzir conhecimento científico que contribua com a formulação, o fomento e a melhoria de programas e políticas a favor das crianças.
Confira a seguir algumas das conclusões do estudo:
Durante um período de tensão ou em um ambiente de tensão, é esperado que a criança esteja sensível, com comportamentos diferentes dos habituais e faça muitas perguntas, pois a tranquilidade para pensar, realizar tarefas e lidar com os sentimentos está modificada. A criança ainda não tem os recursos cognitivos necessários para compreender algo tão abstrato como a covid-19.
Sem entender direito uma situação, reagindo principalmente às mudanças que percebem no comportamento dos familiares e na rotina, é natural que crianças pequenas passem a dormir mal, não comer, chorar, morder, demonstrar apatia ou distanciamento. São formas de elas lidarem com a situação adversa. Mas isso é ineficiente e prejudica os processos de aprendizagem, desenvolvimento e convivência.
As situações de incerteza e de perdas causadas pela covid-19 podem provocar na criança sentimentos de raiva, medo da doença e ansiedade pela perda do vínculo com pessoas, seja por distanciamento, adoecimento, seja por morte.
Mesmo em um cenário de estresse, repleto de restrições, é necessário que se mantenham relacionamentos, ainda que virtuais, assegurando o pertencimento a grupos, a manutenção do senso de competência e o exercício de autonomia e tomadas de decisão.
O contexto familiar é primeiro microssistema em que se constroem as interações face a face significativas entre os cuidadores principais e as crianças em desenvolvimento. Os pais desenvolvem a função de cuidar e educar as crianças, conduzindo-as até a maturidade para atingir autonomia, independência e comportamento adaptativo.
Em uma situação normal, é esperado que toda criança esteja submetida a um processo pró-desenvolvimento, que consiste em fornecer afetividade, reciprocidade, responsividade, calorosidade, encorajamento, ensino e comunicação.
O adulto cuidador precisa ser capaz de perceber o que a criança sente e entender que seu comportamento é uma reação a esta emoção. É necessário que ele se comunique de maneira que ela se considere compreendida.
O contexto de estresse ocasionado pela covid-19 atrapalha a formação do ambiente familiar propício ao desenvolvimento da criança. Os adultos passam mais tempo em casa, mas o nível de angústias e preocupações é maior. Assim, é importante manter a atenção na ligação entre emoções e reações comportamentais, buscando fazer da comunicação um canal de alívio, acolhimento e esperança. A família tem um papel protetor e regulador das emoções e comportamentos das crianças, algo ainda mais necessário em momentos de crise.
Em alguns ambientes, a situação tende a se agravar. Nos lares em que as crianças sofrem com a falta de estimulação adequada ao seu nível de desenvolvimento, passando por violência, abuso e maus tratos, os problemas existentes podem ser potencializados pelo distanciamento social e pelo estresse.
Outro motivo de preocupação é a interrupção de cuidados com a saúde, como a falta a consultas pré-natal de mulheres grávidas, que pode comprometer o monitoramento de complicações. Além disso, a depressão materna também precisa de cuidado.
Estudos têm demonstrado que os efeitos negativos da depressão materna sobre a saúde mental dos filhos pequenos podem ser reduzidos quando as crianças frequentam centros de educação infantil, como creches ou pré-escolas. Durante a época de pandemia, quando essas instituições estão fechadas, a criança pode ficar exposta a ainda mais tensão por estar em casa.
Durante uma pandemia, a necessidade de articulação entre as políticas públicas torna-se ainda mais importante. É preciso dar mais peso à inserção comunitária das famílias na formulação de soluções para a crise. O foco deve ser na importância da inclusão da comunidade no planejamento e implementação das políticas públicas integradas.
Na área da saúde, diante da covid-19, é fundamental repensar as necessidades de desenvolvimento das crianças durante e após a crise, apoiando os profissionais de saúde para conter os impactos da pandemia e retardar a disseminação da infecção.
Medidas devem ser tomadas para proteger as crianças (em especial as nascidas perto do ano 2020) das consequências que essa pandemia pode produzir nos âmbitos econômico e social. Famílias mais vulneráveis podem acabar em uma transição imediata para a pobreza ou extrema pobreza.
Já na educação, a frequência no ensino infantil aumenta muito entre as crianças de 3 a 5 anos de idade. Agora, com a paralisação, é um desafio ter essas crianças em casa por longos períodos, muitas vezes, sem ter alguém com disponibilidade e/ou condições para lhes dar atenção e lhes garantir os cuidados necessários. Neste contexto, há riscos de exposição precoce e demasiada a TV, celulares e tablets.
Por esses motivos, o ensino a distância não é um recurso recomendável para crianças na primeira infância. Esse tipo de atividade está na contramão do que propõe a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que organiza o currículo na educação infantil por campos de experiência, reforçando a ideia que a criança aprende por meio de experiências concretas, interativas, lúdicas e integradoras de várias áreas de conhecimento.
No caso das famílias em situação de pobreza, que não possuem acesso à internet e estão vivendo em habitações precárias, sem acesso a recursos para garantir alimentação e higiene adequadas, crianças acostumadas a frequentar diariamente a educação infantil podem estar sofrendo diversas carências neste período, além das aflições comuns a todos que estão vivendo estes tempos de isolamento social e ameaça de adoecimento.
As medidas de distanciamento social estão afetando o cotidiano das famílias, com reflexos importantes sobre o desenvolvimento infantil. A sociedade terá de agir em conjunto para evitar que esses reflexos ampliem ainda mais a desigualdade no presente e no futuro.
Mais do que nunca, o trabalho dos profissionais da assistência social e da atenção primária serão fundamentais, tanto na contenção da covid-19 quanto no fortalecimento da proteção aos mais vulneráveis. Tornam-se importantes, portanto, medidas que valorizem, protejam e integrem estes profissionais da maneira mais eficiente possível à gestão e coordenação dos serviços de assistência social e dos sistemas de saúde locais.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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