Programa do SUS reduz mortalidade infantil em até 34%

Compartilhe

*Isadora Martins

A conclusão é de uma pesquisa elaborada pelo Comitê Científico do NCPI. A Estratégia Saúde da Família também aumenta a frequência escolar das crianças

O programa Estratégia Saúde da Família (EFS), uma das iniciativas do Sistema Único de Saúde (SUS), reduz em até 34% a mortalidade infantil. É o que aponta uma pesquisa elaborada pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI)*, apresentado na última terça-feira (10), em São Paulo. Implementada pelo Ministério da Saúde em 1994, a EFS inclui uma série de ações de prevenção a doenças e cuidados básicos à população dos municípios cadastrados, por meio de equipes formadas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários.

Cada equipe atende entre 800 e 1000 famílias, o que corresponde a cerca de 4000 pessoas. Os médicos e enfermeiros oferecem assistência nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), enquantos os agentes visitam as residências, escolas e organizações dos municípios, ensinando cuidados básicos de saúde e práticas de higiene. Vale ressaltar que os recursos são repassados às prefeituras pelo governo federal.

Por meio de uma análise das quase três décadas de funcionamento da iniciativa, o NCPI concluiu que, no segundo ano de atuação da EFS em uma comunidade, a taxa de mortalidade infantil — número de crianças que morrem antes de completar um ano de vida — diminui, em média, de 3 a 9% em relação ao período anterior. No terceiro ano, o índice se reduz entre 6,7% e 14%. Depois de oito anos, a queda fica entre 20 e 34%.

O economista Naercio Menezes Filho, responsável pela elaboração do estudo, explica que a implementação da iniciativa não tem efeito imediato na redução da mortalidade infantil porque o processo de estruturação e expansão do programa nos municípios leva tempo. “No Piauí, por exemplo, no início da EFS, apenas 8% dos domicílios eram cobertos. Depois, esse índice passou para 99%”, acrescenta o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e membro do Comitê Científico do NCPI.

Impacto em números

Para se ter uma ideia, em 1994, a taxa de mortalidade infantil era de 43 mortos entre 1000 nascidos vivos no Brasil. Em 2017, o índice foi de 12,4 mortes entre 1000 nascidos vivos. Em 2011, o país atingiu a meta do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 — reduziu a taxa de mortalidade infantil para 15,3 por 1000.

De acordo com a pesquisa, essa diminuição pode estar relacionada também à redução do índice de pobreza no Brasil ao longo dos 26 anos. Mas a importância da iniciativa do SUS nesse processo é inegável: o estudo do NCPI mostra que as comunidades que aderiram ao programa tiveram uma redução acentuada na mortalidade de crianças de até um ano de idade, independentemente do nível socioeconômico.

A Estratégia Saúde da Família teve impacto na redução dessa taxa por meio de diversas iniciativas. As equipes médicas promovem aleitamento materno, cuidados pré-natais, neonatais, imunização e controle de doenças contagiosas que afetam os pequenos.

O estudo também revela que a ESF melhora a frequência escolar. Crianças que participam do programa nos primeiros anos de vida têm maior probabilidade de continuarem na escola entre os 7 e os 9 anos e aos 12 anos de idade. Além disso, a pesquisa aponta uma diminuição no atraso escolar aos 7 e aos 10 anos de idade.

Perspectivas para os próximos anos

Na opinião de Naercio, um desafio a ser alcançado no futuro é a incorporação de novas tecnologias à Estratégia Saúde da Família, o que tornaria as ações da iniciativa ainda mais eficientes.
“Dado que já há um programa nacional que atinge quase todos os municípios pobres, é preciso aproveitar a tecnologia para aumentar eficácia e impacto desse programa”, diz.

Naercio Menezes Filho, responsável pela elaboração do estudo

Ele explica que seria interessante, por exemplo, um mecanismo para integrar a ESF a outras políticas públicas que contribuem para o desenvolvimento infantil, como o Bolsa-Família e o programa Criança Feliz, voltado à primeira infância.

Além disso, o economista reconhece que ainda é possível aumentar a cobertura em algumas regiões. Em São Paulo, por exemplo, a iniciativa cobre cerca de 40% das famílias, ao passo que, em alguns locais do Nordeste, a taxa chega a mais de 90%.

Ainda de acordo com o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, para o futuro, é necessário continuar ampliando os investimentos alocados para o programa. “Não pode haver restrição de recursos, especialmente em épocas de crise econômica, quando a pobreza aumenta.”

A pesquisa completa está disponível no site

Sobre o NCPI

O NCPI foi criado em 2011 e tem como objetivo produzir e divulgar conteúdo científico sobre o desenvolvimento da Primeira Infância (período que vai de 0 a 6 anos). Dessa forma, contribui para promover políticas públicas voltadas às crianças em situação de vulnerabilidade no Brasil. Fazem parte do grupo a Fundação Bernard van Leer, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o Insper e a Universidade Harvard — por meio do David Rockfeller Center for Latin American Studies (DRCLAS) e do Center on The Developing Child.

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá, viajou para São Paulo a convite da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Ana Paula Lisboa

Posts recentes

FURG recebe primeira cuidoteca da Região Sul para apoiar estudantes com filhos

Iniciativa do governo federal vai oferecer espaço de acolhimento e cuidado infantil dentro da universidade,…

2 semanas atrás

Mais da metade dos municípios tem filas por creches, aponta relatório

Levantamento nacional revela que 52,1% das cidades brasileiras registram filas na educação infantil e revela…

2 semanas atrás

46% das crianças mostram ansiedade ligada ao uso de telas, aponta pesquisa

Levantamento revela que metade das crianças apresentam sinais de sofrimento emocional ligados ao tempo de…

3 semanas atrás

Crianças exaustas: rotina cheia e pouco sono elevam fadiga infantil

Especialistas alertam que longas jornadas na escola, excesso de atividades dirigidas e falta de tempo…

3 semanas atrás

Dezembro Dourado: diagnóstico precoce evita 80% dos casos de cegueira infantil

Campanha reforça importância de consultas regulares, atenção aos sinais de alerta e estímulo ao desenvolvimento…

4 semanas atrás

Inep publica novas regras e critérios para avaliação da alfabetização

O texto destaca a necessidade de fortalecer a comparabilidade, a padronização e o rigor técnico…

4 semanas atrás