E se os novos governantes abraçarem a causa da primeira infância?

Compartilhe
Os 13 candidatos à Presidência da República, por ordem alfabética

Santiago, Chile — A responsabilidade pelo futuro da primeira infância no Brasil estará, em grande parte, nas mãos dos candidatos eleitos para a Presidência da República e o governo do Distrito Federal e dos estados a partir de hoje. O poder público tem aptidão para garantir os direitos e o pleno desenvolvimento das crianças do país — ou não. Tudo depende dos recursos, das políticas públicas e, para começar, da vontade política para promover a valorização da fase que começa no útero da mãe e se estende até os 6 anos de idade. Independentemente do partido ou do posicionamento ideológico, os novos governantes têm potencial de se tornarem grandes agentes de transformação nesse sentido.
Exemplos de fora mostram o grande impacto que a decisão de abraçar a causa da primeira infância pode trazer a um país. E não é preciso ir muito longe: é possível aprender lições valiosas de vizinhos, como o Chile. A república encravada entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico viu o tratamento destinado às crianças pequenas se revolucionar nos últimos 12 anos com a criação do programa intersetorial Chile Crece Contigo, impulsionado pela decisão de quem teria poder para fazer com que ministérios diferentes trabalhassem juntos: a então presidente Michelle Bachelet. A médica e política chilena presidiu o país em dois mandatos: o primeiro, entre março de 2006 e março de 2010, e o segundo, entre março de 2014 e março de 2018.

Jeanet Leguas Vásquez, porta-voz do MDS do Chile

Como o sistema de proteção da primeira infância foi instituído como política de estado, e não de governo, continuou se desenvolvendo durante o mandato de Sebastián Piñera, de centro-direita, que comandou o país entre março de 2010 e março de 2014 e acaba de assumir novamente a presidência do Chile, que deve prosseguir avançando com o programa, de acordo com Jeanet Leguas Vásquez, porta-voz do Ministério de Desenvolvimento Social do Chile. “O programa se tornou lei e, por isso, não pode desaparecer. O orçamento tem crescido a cada ano”, diz. Por fatores econômicos e geográficos, trata-se de um país com o qual o Brasil pode se comparar.
Se uma política pública voltada à primeira infância deu certo por lá, é possível que um programa voltado a esse público dê certo por aqui. Jeanet ressalta, porém, que qualquer política precisa ser desenhada de acordo com as especificidades de cada região. “Cada país é totalmente distinto, depende muito de como se organiza. É importante que os países não sejam tão ambiciosos no início: não se pode esperar iniciar já com uma grande dimensão de alcance. Mas é preciso começar e ir avançando gradativamente”, ensina. E o pontapé para que um processo desses se estabeleça, é a decisão política. Governantes locais podem fazer a diferença em suas regiões, mas para uma estratégia nacional, o ideal é que a iniciativa comece na presidência.
O envolvimento presidencial também foi fundamental para permitir a implantação de programas bem executados em outros países da América Latina que se inspiraram no modelo chileno (por exemplo, “De zero a sempre”, na Colômbia; e “Uruguai Cresce Contigo”). No Brasil, existem algumas iniciativas positivas, como o Brasil Carinhoso (programa criado em 2012 de transferência de renda da esfera federal para as redes municipais com o objetivo de custear despesas com educação infantil, cuidado integral, segurança alimentar e nutricional de crianças em vulnerabilidade social) e Criança Feliz (programa de visitas domiciliares lançado em 2016, que, até o momento, atingiu 16,5% da meta de visitas às famílias), no entanto, ainda não surtiram efeitos em larga escala.

Para que um programa voltado à primeira infância tenha efetividade e seja aplicado em larga escala, precisa ser visto como prioridade e abraçado como estratégia de desenvolvimento pelo presidente e demais autoridades. Independentemente do resultado nas urnas neste domingo (7), fica a torcida para que os novos representantes da população, de todos os níveis e poderes, entendam a importância dessa causa e trabalhem, desde o início do mandato, em prol dela.

*A jornalista viajou como bolsista do programa de reportagens sobre primeira infância do International Center for Journalists (ICFJ), com patrocínio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV)

Ana Paula Lisboa

Publicado por
Ana Paula Lisboa

Posts recentes

Inclusão de professores da educação infantil no magistério avança no Congresso

Debatido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Projeto de Lei…

3 semanas atrás

Mais de 630 mil crianças aguardam vagas em creches no Brasil, revela pesquisa

De acordo com o levantamento, 44% dos 5.569 municípios do país, considerando o Distrito Federal,…

3 meses atrás

Mais de 2 milhões de crianças brasileiras não estão em creches, diz estudo

Em todo país, cerca de 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos, ou…

8 meses atrás

Projeto Caravana de Histórias leva literatura a escolas públicas do DF

Nesta terça-feira (2/4), o projeto Caravana de Histórias, que visa difundir a contação de histórias…

8 meses atrás

CLDF aprova lei que fiscaliza recursos destinados à primeira infância

A Câmara Legislativa do Distrito Federal promulgou a Lei 7.466/2024, de autoria da deputada Paula…

8 meses atrás

8 anos de Marco Legal da Primeira Infância: avanços e desafios

Nesta sexta-feira (8/3), o Marco Legal da Primeira Infância completa oito anos de sua promulgação.…

9 meses atrás