Uma cena brasiliense

Compartilhe

Chego no mercado e vou direto à banca das frutas. Pego um daqueles saquinhos de plástico que ficam enrolados numa bobina, corto, abro e escolho meia dúzia de maçãs; em seguida, pego outro saquinho e coloco seis goiabas – que não têm o mesmo sabor daquelas apanhadas no quintal, mas ainda assim são goiabas – não muito grandes. Chego perto da padaria e escolho um pão de forma embrulhado num saco… plástico.

No açougue, peço um quilo – dividido em duas embalagens de 500 gramas – de carne moída, que o rapaz colocou em saquinhos… plásticos. Em seguida, separo um pacote de biscoitos cream-cracker com três fileiras, cada uma delas embalada em… plástico e as três unidas novamente por um… saco plástico. Sigo com as compras, a cabeça se perde nas contas e na constatação que a inflação está na cara de todos nós, em cada etiqueta de preço.

A lista de compras escrita no telefone foi zerada. Como ninguém resiste a uma promoção, ainda mais de cerveja, peguei um fardinho com 12 latinhas embaladas em… plástico grosso. E fui para o caixa ver o tamanho do estrago.

No final da passagem das mercadorias a mocinha se vira e pergunta se queria sacola. Eu disse que sim e ela retrucou: “São 13 centavos cada uma”. E mostra um cartaz dizendo que aquela era uma preocupação ecológica do mercado – todos temos que ajudar a salvar o planeta – e que eles estavam seguindo uma Lei distrital que proíbe a distribuição de sacolas de plástico. Confesso que fiquei aturdido.

Como a Lei não impede que o comerciante possa vender sacos de plástico, o patrão – ao invés de oferecer por um centavo, como forma de ajudar o cliente carregado – ainda adicionou uma margem de lucro no que antes era distribuído gratuitamente.

A Lei não previu a substituição do plástico por sacos de papelão, como nas mercearias de antigamente, ou de papel cinzento e grosso, como nos velhos açougues e padarias. Deduzi: o dono do mercado foi o único beneficiado por mais uma Lei mal pensada, mal formulada e ainda assim aprovada pelos nossos bravos deputados distritais.

Quase nada nos mercados é embalado por algo que não seja plástico, quase tudo derivado do petróleo, que pode levar até 450 anos para se decompor. Curiosamente, o saquinho, esse terrível vilão, seria decomposto em 20 anos; metade do tempo de decomposição de um copo de isopor, 10 vezes menos que um canudo.

A Lei seria muito mais eficaz se determinasse que os sacos das embalagens fossem obrigatoriamente oriundos de cana ou milho, biodegradáveis. O legislador preferiu proibir; o despotismo é sempre um caminho fácil. Para o déspota.

Não por causa dos 13 centavos, mas a indignação fez com que eu saísse do mercado equilibrando as mercadorias como uma foca de circo, xingando o deputado autor da lei e os colegas dele que aprovaram a medida, talvez com a melhor das intenções. É preciso dar razão ao velho adágio de São Bernardo de Clairvaux: de boas intenções o inferno está cheio.

Publicado no Correio Braziliense em 12 de fevereiro de 2023

Paulo Pestana

Publicado por
Paulo Pestana

Posts recentes

A pressa e o tempo

Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…

10 meses atrás

Um Natal diferente

Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…

10 meses atrás

O espírito nas árvores

A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…

10 meses atrás

A graça de cada um

Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…

10 meses atrás

Destino tem nome

Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…

10 meses atrás

A derrocada da fofoca

E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…

11 meses atrás