Um vento engraçado

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Muitas vezes ele sai em silêncio, mas ainda assim o pum faz barulho. A flatulência é uma reação digestiva normal e democrática – reis e súditos soltam bufas – mas provoca a imaginação popular, quase sempre seguida de risos, desde tempos imemoriais. Porque ninguém sabe, mas dos casos e piadas, vieram livros.

O primeiro, De Flatibus, de 1582, escrito pelo médico Jean Fyens, seguido por De Peditu, do erudito alemão Gaspard Dornau, de 1628, e pelo mais escatológico de todos, de 1751, A Arte de Peidar, atribuído a Pierre-Thomas-Nicolas Hurtaud.

Antes que alguém levante suspeitas fedorentas, quero dizer que não sou especialista em gases. Nem os nobres, muito menos os plebeus. Mas andando pelos corredores da Feira do Livro, plantada num estranho e feioso barraco na Esplanada nos Ministérios, fui atraído por um estande que expunha cordéis.

E eis que no meio daquelas miúdas e mal impressas publicações havia praticamente uma sessão dedicada aos traques: “O ABC do Peido”, “O Peido que Acabou com um Casamento”, “O Que o Peido pode Fazer”, “O Prazer que o Peido Dá”, “Antologia do Peido”, “As Consequência do Peido”, “O Que o Peido Pode Fazer”, e muito outros títulos, de diversos autores e procedências.

Fico pensando que tipo de inspiração bate na cabeça dos cordelistas para caprichar nas rimas e nos casos, mas certamente o público quer saber mais sobre o fute. Por quê? Qual a graça de uma ventosidade, barulhenta ou não, que cheira mal e causa desconforto em quem produz e em quem recebe?

Há algum tempo, o cronista Danilo Gomes me enviou um exemplar de A Arte de Peidar, que se apresenta assim: “Ensaio teórico-físico e metódico para o uso das pessoas constipadas, das pessoas graves e austeras, das senhoras melancólicas e de todos que insistem em permanecer escravos do preconceito”.

É um opúsculo que faria sucesso se adotado para discussão na quinta série do primeiro grau; tido como clássico da literatura cômica e pseudo-médica, o texto começa mostrando as diferenças entre pum e arroto – mas não explica porque um é considerado tão engraçado enquanto o outro, também difícil de segurar, é tido como falta de educação mesmo.

Há também a afirmação que são 62 os tipos de sons musicais que acompanham a lufada – incluindo o plenivocal-pleno, que seria o tom mais alto. No final, o autor relaciona tipos de ventosidades que seriam agradáveis, uma sucessão escatológica que nos leva aos cordéis nordestinos que elegem o cheiroso como tema e que também costuma mostrar as diferenças.

O mistério persiste. É uma espécie universal de piada, que causa frouxos (epa!) de riso em quem solta e em quem está próximo mas, afinal, qual é a graça?

Em 2008 tentaram acabar com a farra. Os jornais publicaram a notícia de que uma empresa da Califórnia estava lançando um filtro para neutralizar o odor da flatulência a partir de carvão ativado e que deveria ser instalado na cueca. Uma embalagem com cinco filtros custaria US$ 9,95, mais ou menos uns R$ 50,00.

Eu prefiro distância. Preferi inclusive comprar outros cordéis, com temas de menor fedentina.

Publicado no Correio Braziliense em 8 de dezembro de 2023

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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