Quando o mundo era um lugar menos embrutecido as pessoas buscavam a aventura nas páginas de livros de bolso, fascículos baratos e gibis. Era um tempo em que era possível acreditar em heróis, altruístas que punham a vida em risco pelos outros, aproveitando a imaginação de escritores como Alex Raymond, Burroughs, Lee Falk e muitos outros, que proporcionavam viagens ao futuro, ao passado ou as mais inóspitas paisagens do planeta.
Este era o mundo de Athos Eichler Cardoso, que – ao contrário dos heróis de papel – terminou suas aventuras no final de ano passado. Não à toa, tinha o nome de um dos três mosqueteiros de Dumas. Como Flash Gordon, Tarzan e Mandrake, se mantinha jovem e com muitos planos, embora aos 88 anos e apoiado numa bengala, reclamasse do peso dos anos, mas sempre com um comentário sarcástico.
Mostrava com orgulho a coleção de publicação que amealhou desde os anos 1960 e que fica guardada em uma sala do Brasília Rádio Center. São milhares de volumes. Tinha consciência da importância do material, base para seus artigos e livros, inclusive o opúsculo O que é Aventura, integrante da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense.
Tinha especial orgulho pelos fascículos de aventura, publicados no Brasil desde 1910, que traziam histórias das dime novels norte-americanas com aventureiros que iam da idade média ao espaço sideral, e passando pelos becos mais escuros das cidades, com crimes bárbaros. São romances populares, curtos, baratos, emoção concentrada.
Como os piratas de algumas das aventuras deixadas nas prateleiras, Athos sabia que guardava um tesouro. Mas era generoso. Há mais ou menos três anos doou um imenso acervo de gibis à Biblioteca Nacional de Brasília, que – pena – continua encaixotado a espera, talvez, de um curador. Até porque não são exemplares para serem manuseados pelo público em geral, tão raros.
Graças a ele – de temperamento obsessivo e organizado como os melhores militares – o Brasil tem a possibilidade de ler a obra-prima completa de Angelo Agostini, As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora, os primeiros quadrinhos brasileiros, um dos primeiros do mundo. O livro foi lançado pela Biblioteca do Senado Federal, que também lançou Memórias do Tico-Tico, em que ele reuniu as criações de J. Carlos. Os dois livros podem ser baixados pelo site www2.senado.leg.br.
Todo o material é resultado de visitas aos sebos de todos os cantos do Brasil, onde ele fuçava as prateleiras em busca de publicações raras em todos os formatos; de suplementos dos jornais a livros de bolso. Nos últimos anos, trocou os ácaros e traças pelas páginas eletrônicas da hemeroteca da Biblioteca Nacional, da qual era uma espécie de garoto-propaganda
Ultimamente, Athos se dedicava a um projeto ainda mais ambicioso e que conseguiu financiamento do Fundo de Apoio à Cultura do GDF, mas que há anos espera pelos parceiros que, por algum motivo, não o encaram com a mesma prioridade. Ele levou anos para completar a coleção de suplementos dos jornais publicados na época da Segunda Guerra Mundial – cerca de dois mil exemplares, ele contava. Mas um dia a obra sai; pena que Athos não está mais aqui para ver.
Publicado no Correio Braziliense em 2 de janeiro de 2022
Na ilustração, quadros de Zé Caipora, de Agostini; no vídeo, a coleção de Athos Eichler.
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…