Um lobisomem entre nós

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Medo fascina. Ninguém sabe exatamente porque as pessoas leem livros e veem filmes macabros, que deixam os cabelos da nuca em pé, dão frio na espinha e tremeliques pelo corpo; sensações longe de serem agradáveis. Há arrepios melhores. Mas o horror abraça.

Há quem defenda que o corpo pede liberação de adrenalina para melhorar os reflexos, outros garantem que a sensação de medo, que traz a consciência de estar a salvo, ajuda a explorar a estranha fascinação pela morte e pelo sofrimento. Seja como for, as histórias de terror surgiram há milênios.

Os gregos foram os primeiros a registrar as histórias de lobisomens, metamorfos que ganham características lupinas na lua cheia. Mas provavelmente a lenda vem de muito antes e abarcou todas as culturas, inclusive a brasiliense, como, dia desses no Bar da Baixinha, me contou o (ótimo) escritor Waldir Rodrigues Pereira.

“Amanhã, lua cheia – ​A lua cheia mal se anunciava e eu estava triste e solitário, ainda um rapaz, apreciando à beira-mar o céu estrelado de maio. A areia fina da praia deliciava os meus pés e o panorama esplêndido alimentava os sonhos. A lua se refletia nas ondas do mar encapelado. Nesse instante, um insólito desvario tomou conta de mim. O mar espelhado multiplicava a lua em muitas luas e, de repente, um carrossel de luas cirandava minha cabeça, rodopios de luz que me levaram ao desfalecimento.

Dormi horas a fio sobre a fria areia.

​Acordei à luz primeira do amanhecer, a pouco e pouco despertando para a realidade. Deparei-me, no entanto, com o fenômeno ou fantasia que nunca se afastou de mim completamente, a ideia de que uma espessa pelagem de urso se desvanecia progressivamente sobre os meus braços e pernas, tão rapidamente que não posso assegurar que os pelos espessos tenham de fato existido. Finalmente, sonolento e sedento, tive a impressão de que um rebanho de cabras tivesse me visitado à noite, pois havia sulcos e pisadas de caprinos por toda a areia em volta de mim.

Em casa, contei a minha mãe o ocorrido, também para justificar minha ausência. Ela me falou de lendas do sertão nas noites de lua cheia.

O tempo passou em nossas vidas e eu me lembro sempre de lhe pedir que me amarrasse nas noites de lua cheia. Ela sorria, dizendo-me “vai dormir que depois eu chego para lhe amarrar”.

Sei que falava brincando, mas o fato é que se um dia ela me amarrou, por certo também me desamarrou, porque eu nunca senti nenhuma diferença.

Hoje, sem minha mãe e vendo que amanhã é dia de lua cheia, não tenho a quem pedir que me preserve do insólito e eventual acontecimento, pois, na hipótese de vir a me transformar em lobisomem, eu não teria com quem contar para me desamarrar no dia seguinte. Portanto, resta-me apelar a quem encontrar um ser estranho deambulando por aí que, antes de pensar na bala de prata definitiva, olhe bem nos meus olhos e tenha comiseração ante a tristeza de um lobo solitário”.

Publicado no Correio Braziliense, em 11 de outubro de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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