Os especialistas estão na ordem do dia. A todo momento a televisão e o rádio nos apresentam ilustres desconhecidos que recebem esse título pomposo, mas que pede um adendo – especialista em quê? –, que quase nunca vem.
No Brasil, parece que a principal função desses especialistas é dar palpite, meter o seu bedelho em qualquer situação, fazendo pose de sabido. Aliás, fui a um especialista para saber como é que bedelho, aquele ferrolho que tranca e destranca portas, virou sinônimo de gente enxerida. Nem os anos de estudo dedicados à última flor do Lácio do professor Amâncio – especialista – resolveram a questão.
Mas dúvida não mata ninguém como comprova-se pelo galope da ignorância, especialmente nesses dias em que algumas pessoas defendem as duas ou três frases do Twitter como forma literária ideal, porque ninguém teria mais tempo de ler.
O jornalista José Rezende Jr lançou, há 10 anos, um livro em que escreveu romances com até 140 toques; mas Estórias Mínimas é só uma experiência de estilo. Até porque é excelente em textos mais caudalosos.
Especialista é o sujeito que entende. Franceses e ingleses chamam de connoisseur, conhecedor, mas não usam o termo aleatoriamente como nós. Para eles são pessoas que sabem de detalhes, técnica e princípios de uma arte. Entre nós, vale até para quem chuta, mesmo com perna de pau.
Especialista em covid-19 é o que mais temos hoje; mais do que comentarista de futebol em época de Copa do Mundo. Mais raro é o especialista em gluteoplastia, portanto em enchimento de bumbum, que conheci – graças a Deus – no bar. Doutor Alexandre tem um trabalho interessante, mas prefere falar sobre o Palmeiras (anda inconsolável, aliás).
Mais útil foi conversar com um especialista mestre cervejeiro, embora eles sejam muitos hoje em dia. Parece que o sonho de quase todo mundo é ter um kit de fazer breja em casa. Mas Leandro entende do riscado, faz uma IPA (indian pale ale) de respeito, que só tem o defeito de toda cerveja feita artesanalmente: empapuça.
Nesse metiê, confio mais na opinião dos práticos. Mesmo com essa onda de cervejas feitas exclusivamente com malte, o cronista Danilo Gomes continua fiel às pilsen, que não têm pudor de acrescentar cereais não maltados como milho e arroz para ajudar na fermentação, o que dá uma certa leveza ao líquido.
Mas é certo que o sabor de algumas cervejas industrializadas mudou com o passar dos anos, mesmo que a fábrica garanta que a receita é a mesma. Antes variando entre Brahma, Antárctica e Bohemia, Danilo hoje prefere e recomenda a Original, com a parcimônia que os anos e a responsabilidade pedem. Ultimamente, ele (como eu) se dedica a procurar a rediviva – mas difícil de achar – Adriática.
Como monge, Danilo saboreia a cerveja em canecas de bronze, sonhando com a vida normal na forma do pastel de angu da Toca do Chope do Claude Capdeville. Agradece o fígado ainda em forma, mesmo depois dos hectolitros ingeridos, e também faz um brinde aos especialistas para que continuem longe de nós.
Publicado no Correio Braziliense em 30 de maio de 2021
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