Era uma vez… assim começam as histórias para crianças. Mas talvez devessemos incorporar o clichê também para alguns contos para adultos, especialmente agora, quando mitos, fábulas e o folclore parecem ter sido incorporados ao dia a dia de tanta gente. Se a carochinha está solta, vamos lá:
Era uma vez um sertanejo chamado João Antônio dos Santos e que vivia em Pedra Bonita, Pernambuco. Num dia mais quente que o normal ele viu uma aparição; era um rei, morto 187 anos antes, dizendo que iria libertar o povo da pobreza.
O sertanejo interpretou aquilo como um chamado e resolveu fundar o Reino Encantado de Pedra Bonita, que não passava de um acampamento próximo a duas pedras grandes. Neste local, e já sob a liderança de João Ferreira, cunhado de Santos, houve um massacre: alguns homens iniciaram a carnificina, outros aderiram e mais de 300 morreram.
A profecia é que o sangue dos adeptos traria o rei, São Sebastião, de Portugal, de volta à vida. O mito do sebastianismo em terras brasileiras vinha de antes, embalado por lendas que cruzaram o Atlântico e se arraigaram entre os nordestinos.
De boca em boca, verso em verso dos cordéis, a morte do rei em terras mouras, na batalha de Alcácer Quibir, em 1578 (na imagem), ganhou contornos, complementos e temperos locais.
Inconformados, muitos portugueses nunca acreditaram na morte do soberano; chegaram a fazer vigília nos portos a espera dele. O sumiço do corpo alimentou o mito messiânico em torno do rei, que tinha apenas 24 anos e não deixou herdeiros – o escritor Aydano Roriz chegou a levantar a hipótese que o rei seria hermafrodita, no livro O Desejado, onde reuniu fatos e salpicou um bocado de imaginação. Mas não vem ao caso.
O sebastianismo chegou ao Brasil com várias vertentes, todas mirabolantes. Desde a lenda que ele teria se transformado em um boi que, se fosse ferido, provocaria o afundamento da ilha dos Lençóis, Maranhão, até como pai dos pobres.
A tragédia de Pedra Bonita serviu de inspiração para José Lins do Rego e Ariano Suassuna (rendeu até novela) e se desdobraria a Canudos, décadas depois, onde a volta de Dom Sebastião era pregada para reestabelecer a monarquia no Brasil. Acabou com a morte de Antônio Conselheiro e cerca de 25 mil pessoas
Sebastião foi o rei que para proteger sua nação dos infiéis havia ido a guerra, morrera, mas voltaria; na mão de cordelistas de talento, a história ganhou elementos ainda mais fantásticos. Como escreveu Luar do Conselheiro:
A história do retorno
Do rei Dom Sebastião
Ainda corre calada
No meio desse sertão,
Num cochicho, numa prosa,
Os cabras valentes da roça
Tramando revolução
O Sebastianismo à brasileira acaba de ganhar um novo capítulo, com acampamento, fanáticos, procissão, trama de revolução (ou golpe, violência e muita reza por um sujeito ausente e que nem se chama Sebastião. Em comum, também, a insanidade. É preciso dizer que, além da Terra ser redonda, Dom Sebastião, o rei menino, está morto. E nem por isso Portugal acabou.
Publicado no Correio Braziliense em 22 de janeiro de 2023
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