Quem é o brasileiro?

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Não sei se o nobre leitor já participou de alguma pesquisa qualitativa. É um tipo de estudo feito para ouvir pessoas reunidas numa mesma sala para trocar ideias sobre determinado assunto; é muito usado por políticos, mas também é útil para a indústria, especialmente quando do lançamento de algum produto novo.

No início da conversa, os convidados – que recebem um lanche e uma graninha para participar – se guardam, precisam ser provocados por um mediador, senão não sai nada. Mas basta dar corda para que as opiniões apareçam. E aí se ouve de tudo.

As mulheres são mais sinceras, diretas; aceitam a ponderação alheia e até mudam de opinião. Os homens são mais arraigados às próprias certezas, marcam posição como cachorros que fazem xixi no poste. E, pior, gostam de fazer pose de inteligente a cada intervenção. E gostam de exercer alguma autoridade.

De um certo momento para a frente, as opiniões se cristalizam. Aparecem líderes a procura de seguidores, com necessidade de levar uma ideia qualquer à frente – mesmo que seja a teoria de que a Terra é chata. Aliás, parênteses: os terraplanistas têm certa razão quando dizem que o mundo é chato; só erram quando colocam a definição no escaninho da geografia.

Voltando à pesquisa, é preciso compreender que as pessoas estão sendo pagas e, portanto, se sentem na obrigação de prestar um bom serviço. E como o trabalho ali é falar, nascem pérolas de indiscrição, que revelam o caráter do brasileiro de uma forma que nem Buarque de Holanda pai conseguiu.

Ali se ouve que vender voto é uma coisa normal, que votar em quem já foi condenado é justificável, que era melhor viver sob ditadura sem essa chatice de votar, que, digamos, aditivos para a diversão – como a cerveja, por exemplo – não deveriam ter imposto, para que todos pudessem farrear. Não há limites para os absurdos que são ditos, mais ou menos como nas redes sociais.

A diferença é que as pessoas estão presentes, dizem com convicção e assumem a responsabilidade pelo enunciado, diferentemente das apócrifas e covardes mensagens espalhadas pela internet. Assim, é estarrecedor descobrir o verdadeiro grau de sexismo e machismo do brasileiro.

Foi assim que o senhor, já passado dos 50, disse que a lei é errada quando condena um homem que se envolve sexualmente com uma menor de idade. E ao mesmo tempo que concorda com a proibição de menores dirigirem. O pior é que o grupo, misto, classes C e D, não se espantou com a tese; ninguém reagiu.

É triste também assistir a uma mulher (por volta dos 40 anos) dizer que elas não deveriam assumiu cargos públicos porque são muito emotivas – mesmo argumento de Margareth Tatcher, aliás, que só nomeou homens para seu gabinete inaugural. O pesquisador disse que é um reflexo da passagem da presidenta, mas eu tenho certeza que é um sentimento muito mais arraigado.

O pior é ter a sensação de que a gente não conhece o brasileiro. Talvez por isso a gente não saiba para onde vai.

Publicado no Correio Braziliense em  13 de dezembro de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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