Provérbios

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A memória vai sendo embotada com o tempo – o disco rígido está cheio, me dizem – mas tenho quase que certeza que o nome dele era Samuel. Gerente da leiteria (note-se que é do tempo em que havia leiterias) e, com o sotaque luso ainda muito forte, fazia força para não ser confundido com o português da piada. Gostava de provérbios.

Antes que alguém estranhe e pergunte porque eu frequentava uma leiteria, explico: ficava na frente da maior banca de jornais da cidade, de propriedade de um italiano, que chamavam de Nino, e que não fazia questão nenhuma de se passar por inteligente. Ou educado. Era um carcamano mal-encarado como os que a gente via nos filmes.

Provérbios têm a capacidade de resumir uma história inteira numa única frase. Não é preciso nem buscar a sabedoria das páginas da Bíblia; basta conversar com um matuto esperto que ele tem sempre o que dizer, em qualquer situação.

“Qualquer um tira o saci da garrafa; quero ver quem põe”, “Na cidade do saci, uma calça veste dois”, “Sapo não pula por boniteza, mas porque precisa”, “Não tinha com o que se apoquentar, comprou um leitão”, são alguns dos meus favoritos.

Há provérbios que são tão repetidos que não têm mais graça e ninguém mais presta atenção; quem repisa fica até com fama de chato: “O barato sai caro”, “Não se chora o leite derramado”, “O bom filho a casa torna”, “Os últimos serão os primeiros”. Não carregam mais sabedoria; ficaram óbvios, gastos com o tempo.

Provérbios não podem ser ditos com entonação normal, exigem alguma solenidade, uma voz mais empostada e uma cara de coruja sabida. Senão correm o risco de se perderem na tradução – mesmo que seja em português.

O Samuel da leiteria explorava provérbios lusos, alguns tão marcantes que sobreviveram na cachola. “Visita sempre dá prazer. Senão quando chegam, pelo menos quando partem”, dizia a quem deixava o estabelecimento, rindo para que ninguém achasse que estava sendo grosso. Outro muito repetido, misterioso para mim na época, era “mal de muitos, consolo é”.

“Quando Deus quer, água fria é remédio”, dizia; mais irritado, falava: “Bem mal ceia quem come de mão alheia”. Outro que repetia sempre: “Não gozes com o mal do teu vizinho, porque o teu vem a caminho”.

Meu avô também repetia provérbios como mantras: “Quando um burro fala, o outro baixa a orelha”, era um de seus favoritos. Ou “para quem não quer, tem muito”, “mais vale um gosto do que seis vinténs” – mesmo que eu não soubesse quantificar esse dinheiro – e “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

Já que ninguém mais quer saber de livros, quem sabe não é de provérbios que o mundo precisa para ter um pouco de sabedoria.

Hoje é dia de eleição.

Tomara que não seja início de mais um ano que não termina. Não é bem um provérbio, mas é bom lembrar uma frase de Bob Marley: “Prefiro perder a guerra e ganhar a paz”. Ou Benjamin Franklin: “Nunca houve uma guerra boa, nem uma paz ruim”.

Publicado no Correio Braziliense em 7 de outubro de 2018

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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