Prazeres masculinos

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A mulherada acha que homem só pensa naquilo; que o prazer masculino se limita apenas a uma coisa, mais nada – isso mesmo que você está pensando. Não é verdade, mas não vamos aqui fazer uma lista dessas pequenas alegrias que ainda fazem valer a pena ter pelos espalhados pelo corpo. À propósito, vamos nos limitar à ida à barbearia.

Hoje há várias barbearias que tentam sofisticar um ambiente que até pouco tempo era aromatizado pela mistura dos cheiros de Aqua Velva, talco e o eventual mau hálito do sujeito da cadeira ao lado. Agora, há profissionais que parecem ter saído de uma escola de belas artes, que desenham barbas e debuxam cabelos em manifestações artísticas efêmeras como esculturas de gelo. Mas, tirante a cerveja, nada me atrai nesse ambiente.

Não há o que substitua a barbearia popular, principalmente se o barbeiro tiver mais de 60 anos de idade. Há jovens bem formados, mas são os mais velhos que cultivam o rito que cerca um dos grandes prazeres masculinos, inalcançável até pelas mais ferrenhas feministas: fazer a barba.

As mulheres têm salões de beleza, ambientes sado-masoquistas, que misturam prazer e dor – não acredito na felicidade de arrancar uma cutícula ou de esquentar o cabelo na chapa como um hambúrguer, mas sei que acaba em satisfação. Isso para não falar em operações ainda mais radicais e brutas como a depilação com cera, ritual primitivo, mas que gera enlevo nas mulheres e, pelo tato, nos homens.

Salões femininos – mesmo aqueles que aceitam homens – são efervescentes. Dia desses, enquanto filava um jogo na TV do bar, foi impossível não observar o que acontecia no salão ao lado, aquele entra-e-sai, conversas paralelas entremeadas de gritinhos que fingiam espanto e uma mistura de cheiros que atrapalhava até o sabor da cerveja.

A barbearia, ao contrário, é local de contrição – talvez uma herança do tempo em que os barbeiros eram também cirurgiões e dentistas. Com a mesma navalha que escanhoavam o rosto do freguês, faziam sangrias; se bobeasse, arrancavam um dente. Daí veio aquele cilindro pintado com listas vermelhas e brancas – simbolizando curativo e sangue – instalados nas antigas barbearias (hoje resgatados pela moda retrô).

Com a popularização desses aparelhinhos de plástico, ninguém mais precisa ir à barbearia todo dia. Até por isso, o barbear virou um momento ainda mais solene. Começa com uma boa conversa, mesmo nesses tempos belicosos, enquanto o profissional apura o fio da navalha. Uma toalha úmida e quente é aplicada sobre o rosto para abrir os poros, o pincel espalha o creme pela área cabeluda e a navalha entra em ação.

Aí a conversa vira monólogo. É bom escolher um barbeiro bom de bico: só ele fala nessa hora; por mais confiança que o profissional mereça, nunca é fácil ter uma navalha tão perto da jugular. Há uma certa tensão, mas que não impede o prazer. No final, outra toalha quente e a torcida para que a Aqua Velva não arda muito.

Mas pensando bem, você tinha: razão: o outro prazer é melhor.

Publicado no Correio Braziliense em 29 de junho de 2018

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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