Os homens continuam se matando em guerras declaradas ou não, mas os patos e gansos nascidos no Brasil têm motivo para comemorar. A aprovação da Lei que proíbe a produção e o comércio do foie gras – que o populacho chama de fuágrá – está na bica para ser aprovada pelo valoroso Congresso Nacional.
É comida de rico, não vai afetar a nossa cesta básica. A alegação para a proibição é a crueldade à qual os animais sofrem com a alimentação forçada que faz o fígado crescer além da conta para produzir a iguaria, uma especialidade da cozinha francesa. Chefes de cozinha estão protestando contra a produção, mas já perderam a batalha.
Os veganos tentam nos convencer que podemos viver de brócolis e couve-de-bruxelas. Não vai demorar para aparecerem os defensores das lagostas e siris, que são colocados vivos na água fervendo antes de virarem comida. E ainda tem as ostras, que chegam à mesa ainda vivas; só morrem ao serem arrancadas da concha. Em Taiwan, conheci o camarão embriagado, servido vivo num molho em que se misturam ervas e saquê. Entra na boca se sacudindo todo.
Na China há um prato ainda mais cruel, o Feng Gan Ji – galinha seca ao vento. O cozinheiro retira o intestino da galinha ainda viva, coloca temperos e costura. Agonizando, a galinha é pendurada ao ar livre até ficar no ponto. Não sei se é comida assada ou cozida.
A cozinha tem requintes de crueldade. Vi muita galinha ser degolada e, ainda assim, escapar correndo sem a cabeça pelo quintal, esguichando sangue como personagem de filme de Quentin Tarantino. Foram todas para a panela e dali para o bucho. Dava dó ouvir o guinchar dos porcos quando levados para o abate; mas a visão das costelinhas fritas dava amnésia.
E há momentos de cortar o coração. Seu Pedro sempre gostou de cozinhar. Certa vez, ainda morando em Brasília, comprou um cabritinho para cevar. As semanas se passaram e as crianças da casa adotaram o bicho, que ganhou o nome de Arlete, embora fosse macho. O cabrito ia para todo canto com as crianças; ganhou todas as regalias de um animal de estimação. Só não podia dormir dentro de casa.
Arlete engordou, o couro ficou lustroso; estava no ponto para virar uma cabritada. Mas era já um bicho da casa e seu Pedro teria que arrumar outro cabrito. Pelo menos era o que os outros adultos pensavam. Era sábado, ele acordou mais tarde e, com a casa vazia, olhou para o cabrito. Sem querer, um fio de baba pendeu pelo canto da boca – foi a senha para levar o bichinho ao forno.
Mais tarde as crianças e os outros adultos chegaram. Como sempre, foram direto ao cercadinho de Arlete. A netinha mais velha perguntou: “ Vovô, você viu a Arlete?” Seu Pedro tergiversou: “Deve ter saído”. Criança é insistente. Na terceira pergunta igual e já à mesa seu Pedro apontou para o varal onde pendurara o couro do cabritinho: “Saiu, mas deve voltar logo, porque ele deixou o casaquinho ali”.
E serviu pedacinhos do Arlete para todos.
Publicado no Correio Braziliense em 22 de outubro de 2023
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