Peso pesado

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A balança não mente. Ele nem estava naquele consultório para se pesar; tinha levado o cachorro ao veterinário. O bichinho, xodó de toda a casa, amanheceu regurgitando, tossindo e sem conseguir andar direito.

Mas teve que subir na balança enquanto segurava o pequeno animal para que, depois de descontar a tara, a atendente pudesse extrair o peso. O primeiro susto veio de um apito agudo do aparelho, que não suportou o peso duplo e explicitou a agonia eletrônica.

Meio sem graça, deu um jeito para que o cachorro ficasse quieto no prato e fosse pesado sozinho. No final da consulta, tudo bem com o melhor amigo, o veterinário pediu que ele subisse na balança. Sem o cachorro.

Para não contrariar quem cuida tão bem do seu bicho, subiu sem maior contestação, quando o ponteiro registrou: 99 quilos. E mais 800 gramas. Ainda era manhã; tinha pulado o café-da-manhã e não havia aberto nenhuma cerveja, o que estava planejado para logo mais.

Veterinário não é médico de gente, mas é médico. E falou para ele se cuidar, fazer exercício, beber menos, se alimentar melhor, enfim, essas coisas que todo doutor fala. “Faça pelo menos uma caminhada por dia. E beba com moderação.”.

A quaresma estava para começar, ele imaginou. São 40 dias dedicados à contrição, autoanálise, parcimônia, tudo a partir de algum sacrifício. Católico, devoto de Nossa Senhora de Fátima, ele pensou em passar o período sem beber álcool e sem comer pão. Quem o conhece, sabe o tamanho do sacrifício.

O maior incentivo nem foi a consulta gratuita que teve com o veterinário, mas a imagem da barriga refletida pelo vidro que separa a casa da varanda; depois que o doutor falou é que ele reparou a dilatação provocada por hectolitros de chope e cerveja.

Os primeiros dias foram bem, até por conta de uma monstruosa ressaca, mas ele não demorou cair em tentação e abriu uma latinha  – não estava profanando nada, pensou; não era uma resolução de fundo religioso, apenas uma maneirada por questões estéticas.

Pesaram muito as palavras do jovem doutor, quando se despediram, ainda com o cachorro no colo: “Você não precisa parar de beber; é só beber um pouco menos”. Desde esse dia ele pensa em trocar definitivamente o médico pelo veterinário.

Mudando de assunto…

Desde que o viaduto desabou, Brasília tem mais engenheiro calculista do que técnico de futebol em época de Copa do Mundo. Todos têm um palpite, cada um aponta o dedo para um lado, e tem certezas de abalar outras estruturas.

As chamadas redes sociais ficaram repletas de comentários e falsos debates travestidos de coisa séria; pior, são intervenções que abalam a crítica bem humorada que, por mais cruel que seja, deve prevalescer. Humor não tem regra.

De repente, me vem à cabeça uma frase de Nelson Rodrigues: “Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”.

Publicado no Correio Braziliense em 11 de fevereiro de 2018

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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