– Vocês entregam em casa?
– Não, mas tem delivery.
O diálogo terminou por aí. Preferi desligar o telefone, pegar o carro e ir comer em algum lugar que me entendessem em português. Medo de levar cat (gato) por hare (lebre).
Lembro sempre a história de um amigo que fazia um giro pela Europa, quando deu vontade de comer um franguinho; sentou-se no restaurante parisiense e, num acesso de humildade, perguntou à namorada como é que se diz frango em francês.
Ela também não sabia e, antes mesmo que pegasse o dicionário, ele encontrou no cardápio o que imaginava ser o prato desejado: “Está aqui: galette, galeto, claro”. A moça, mais inteligente e precavida que ele, ainda ponderou: “Não é melhor perguntar?”
Homem que é homem não pergunta nada diante da namorada. Nem no posto Ipiranga. É senhor da situação, comportamento que vem desde o tempo das cavernas, enquanto arrepelavam as moças.
No final da teimosia, ele, ao invés do galeto imaginado, teve que se contentar com uma panqueca, a tal galette.
Estamos vivendo a era da extinção da língua portuguesa. Não bastassem as letras dos funks cariocas, a gramática das músicas sertanejas e as entrevistas do Tite, é só olhar as placas, anúncios, programas de tevê; está tudo em inglês – ou quase.
Em parte, a culpa é da informática, que trouxe um monte de palavras novas para o vocabulário: deletar ao invés de apagar, atachar no lugar de anexar, backup (já com versão brasileira, becape) para substituir cópia.
Tablet já foi tablete, o mesmo que uma drágea, comprimido. Hoje é um gadget (em português, engenhoca). Ou seja, um equipamento que poderia ser conhecido por tabuleta se ainda falássemos português. A rima pode ser meio indecente, mas a função é a mesma.
Aliás, no caso de gadget, a língua inglesa também importou a palavra do francês, gachette, o que mostra que línguas não devem ser imutáveis. O que incomoda é o exagero de chamar mascote de pet, assédio de bullying e tigela de bowl.
Pior ainda é quando as palavras ganham nova grafia mas não mudam o significado original. Ranquear, por exemplo, vem de ranking; mas ninguém explica porque não substituir por classificar. Ou ranking é melhor do que classificação?
As empresas não demitem mais ninguém, fazem downsize, que é redução de tamanho; também não fazem mais treinamento, substituído por coaching, assim como as reuniões estratégicas passaram a ser conhecidas como brain storming – tempestade cerebral.
No Brasil também não temos emissoras de notícias no rádio e na tevê: é Globonews, Bandnews, Recordnews, Jovem Pan News. A gente quase se esquece que News é o mesmo que notícia. Daí, ao invés de falar que estamos diante de uma epidemia de boatos ou mesmo do autoexplicativo notícias falsas, preferimos fazer coro com Trump: são fake news. Pelo menos ninguém mais chama locutor de espíquer (speaker).
Não surpreende que em Ouro Fino, a cidade onde o Chico Mineiro da música passou a noite numa festa do Divino, tenha um hotel chamado Slim Gold.
Publicado no Correio Braziliense em 23 de março de 2018
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…