Os nomes e a lei

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Entre a pia batismal e o cartório de registros muita gente se perdeu. Nomes próprios revelam muito mais sobre a personalidade dos pais – e do ambiente de época – do que de quem recebe a certidão e que terá de usar a locução durante toda a vida. Mas muitos se encaixam à perfeição.

Ninguém se chama Bartolomeu impunemente. Ou Eufrázio, Ambrósio, Epaminondas, Apolinário, Gumercindo, Telêmaco. São pessoas que trazem, desde os primeiros dias, personalidade marcante, ancestral; e talvez por isso estejam sumindo, não há mais lugar para nomes quadrissílabos e pentassílabos.

Há quem acredite na numerologia, mas eu sempre fui ruim de tabuada, até hoje não sei jogar sudoku e não acho que se deva submeter desígnio algum aos algarismos – até porque se forem romanos já são letras e nunca consigo lembrar se D é cinquenta ou quinhentos.

É mais confiável a onomástica que, por meio da antroponímia, nomes difíceis mas que, à luz da História e da geografia, trazem informações bem mais palpáveis. Não raro, pessoas assumem personalidade parecida com a do dono original do nome.

Tive um coleguinha chamado Periandro e que só era chamado assim pelo pai – até a mãe o chamava de Peri. A professora teve a esperteza de logo dizer para a turma que o nome tinha sido inspirado num dos maiores sábios gregos, o que evitou muita briga na saída.

Com ele, a antroponímia não deu muito certo. Ou, por vias tortas, deu, porque se comportava meio como índio, mas não do tipo pajé, xamã; daqueles toscos, que ficam gritando e batendo na boca em volta da fogueira. Mas com Bartolomeu a história é outra.

Há o misterioso Bartolomeu apóstolo, que espalhou o cristianismo por terras distantes; e herdaram seu nome o sábio de Edessa, o navegador, o desbravador de terras brasileiras e o primeiro cientista brasileiro, entre outros, inclusive o nosso amigo, que dia desses teve uma experiência quase científica.

A temporada das chuvas em Brasília coincide com a fartura nas árvores espalhadas pela cidade. Jaqueiras, mangueiras, jamelões, goiabeiras, pitangueiras oferecem frutos de todo tamanho e sabor nos jardins e canteiros da cidade. E Bartolomeu gosta de andar a esmo, o que ajuda a pensar e a tomar decisões, agora mais importantes, que envolvem muita gente e interesses.

Absorto, circulava pela Asa Norte com uma varinha torta na mão; a mulher caminhava na frente com a apressada cachorrinha do casal, quando sentiu o peso sobre a cabeça. Foi ao chão; os óculos se perderam. Ficou tonto e com a visão turva. Imaginou uma agressão; logo ele que não tem inimigos.

Pessoas acudiram e ele sem entender nada – seria um soco, algo mais grave? Quando pôs a mão da nuca, sentiu o líquido escorrendo e tremeu. Mas não há sangue amarelo. Tinha sido alvejado por duas mangas despencadas.

Passado o susto, lamentou não estar passando sob uma macieira e pensou que se tivesse nascido uns 350 anos atrás poderia formular a Lei da Gravidade. Seria mais um Bartolomeu predestinado; pena que foi no tempo errado.

Publicado no Correio Braziliense, em 24 de janeiro de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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