Ainda bem que tem essas lojas que alugam roupa. Da próxima vez que me convidarem para ir num boteco que não conheça, passo por uma delas antes para pegar uma casaca, cartola e, quem sabe, polainas. Ainda mais se for um desses estabelecimento que participam do tal concurso Comida di Buteco, que de simples só tem letra ‘i’ no lugar do ‘e’ original da preposição.
Fui olhar o catálogo desse ano e quase engasguei apenas lendo a descrição dos pratos. Até o Amigão, antes um copo-sujo de respeito, caiu na esparrela da cozinha chique e cheia de gueri-gueri do mundo de salamaleques politicamente corretos. Lá o sujeito pode pedir um bolinho de pernil envolvido numa crosta crocante de torresmo, acompanhado de anéis de cebola empanados na cerveja. Fiquei sem jeito de estar ali com camisa de meia e calça Lee.
A situação é ainda mais grave nos bares de gente que fala baixo e usa guardanapo de pano, caso do Victrola. Lá, o petisco é bisteca suína com cebola caramelizada e geleia de bacon, acompanhado de farofa e vinagrete. Eu não entendo nada de harmonização gourmet, mas tenho certeza que não dá para tomar cerveja comendo caramelo.
E este me parece ser o grande problema desses novos chefs de cozinha que invadiram os botequins: eles gostam de comer; a bebida é um acessório, quase uma alegoria já que eles gostam de misturar as coisas e botar um chapeuzinho do copo.
É mais uma inversão do mundo moderno, uma vez que o petisco nasceu como tira-gosto; ou seja, para disfarçar o sabor das pingas, uísques e cervejas de má qualidade. Desde que tivesse sabor pronunciado, valia tudo: torresmo, linguiça, queijo. Até uma banda de limão.
E assim os tremoços sumiram dos bares, como as azeitoninhas, pepinos e outras conservas picantes. No mesmo féretro, seguiram o traçado (pinga com vermute), o bombeirinho (pinga com groselha), o samba (pinga com refrigerante), a maria-mole (conhaque com vermute) e outros tradicionais drinques de botecos populares, fontes de coragem e vigor para tanta gente boa.
A sorte é que tudo passa. Daqui a pouco essa geração que exibe o penteado à Príncipe Danilo, homenagem ao grande craque do Vasco, vai ter barriguinha de chope e descobrir que a maior qualidade de um boteco é servir de refúgio e não de ponto de badalação. E vai saber que o bom acompanhamento para uma bebida (até, ou principalmente) as de boa qualidade) é uma conversa macia e um petisco picante.
Por enquanto, a baixa gastronomia vive momentos de confusão. Outro dia, num estabelecimento que tinha até moço para estacionar carro, a isca de peixe veio acompanhada de um recipiente com lavanda. Quem está acostumado com ambientes sofisticados sabe que é para lavar a pontinha dos dedos, mas o nosso amigo, criado no botequim, bebeu de um gole só. E reclamou: “o aperitivo está quente!”
Para nos redimir, o Pardim concorre nesse tal Comida di Boteco com um prosaico fígado com jiló; nem experimentei, mas já tem meu voto.
Publicado no Correio Braziliense em 18 de maio de 2018
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