Não faz muito tempo, quando alguém fazia menção a trocado, se dizia que aquilo era “dinheiro de pinga”. Valia para uma oportunidade de negócio, para um prejuízo ou para uma bagatela qualquer. Era uma expressão-sinônimo para ninharia. E fazia sentido.
No chamado Brasil profundo ainda faz. É possível beber cachaça – na risca, obedecendo ao padrão do copo americano (que, aliás, é uma invenção brasileira) – por até R$ 0,25. E tem boteco que ainda fia; embora deva-se desconfiar que ninguém, depois de uma talagada em caninha sem nome, sem origem e sem-vergonha, tem condições de voltar para pagar.
Mas a expressão caiu em desuso. Há alguns anos era possível comprar um garrafão da aguardente JK (produto decente, da região do Entorno) por R$ 10,00. Hoje está por R$ 40,00. O litro! Se bem que é uma bagatela perto do que é cobrado por uma garrafa Extra Premium da Cachaça do Ministro, produzida na vizinha Alexânia, que não se acha por menos de R$ 120,00.
Se o bicudo optar por um produto de ‘terroir’ mais tradicional vai ter que cortar despesas supérfluas como feijão e pão. Uma garrafa de 600 ml da uca Canarinha que era vendida por R$ 30,00 há poucos anos, está sendo oferecida por R$ 150,00.
É uma cangibrina de qualidade, produzida em Salinas, Minas, e que dorme quatro anos em barris de bálsamo e desce com maciez. Mas vamos acertar aqui: R$ 150,00 não é dinheiro de pinga. Ainda bem que não se mede inflação pela tabela tatuzinho.
O Brasil bebe da branquinha há séculos, mas não há 500 anos como alguns apressados tentaram nos fazer acreditar. Se as primeiras mudas de cana chegaram ao Brasil com a expedição de Martin Afonso, em 1532, os cinco séculos só serão comemorados daqui a 11 anos.
Outra balela é que a danada teria surgido a partir da sorna de escravos, que deixaram uma porção de melado fermentando até a evaporação, quando gotas se formavam no teto e pingavam. Como se os portugueses, craques na bagaceira, não conhecessem um alambique.
De lá para cá o goró virou uma das marcas da identidade nacional. Bebe-se caninha do Monte Caburaí ao Chuí, da Ponta do Seixas ao Rio Moa. Em qualquer birosca tem forra-peito.
E de todo preço. Dia desses vieram me oferecer uma pechincha: uma garrafa de Havana por R$ 500,00. Declinei. Por falta de numerário. Podia ser mais grave: a famosa Havana 75 anos, edição numerada, sai por R$ 5 mil.
A Havana voltou ao mercado depois de uma briga judicial pelo nome que durou uma década, mas na verdade nunca deixou de ser vendida, já que recebeu o nome do seu alambiqueiro, Anísio Santiago. Durante este período de contenda o mesmo líquido foi vendido a a preço bem mais baixo. Muita gente bebe rótulo.
A relação do Brasil com a cachaça é tão íntima que é o termo com mais sinônimos na língua portuguesa: mais de 700. Ganha de lavada do demônio, que tem apenas 250 apelidos registrados.
Publicado no Correio Braziliense de 28 de novembro de 2021
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