Manias de cada um

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Manias são transtornos de comportamento. Algumas podem fazer bem, ou pelo menos não fazer mal, caso da ablutomania, uma obsessão por lavar as mãos e tomar banho, ou dos conscidisticlavos, que só pensam em cortar as unhas – e são diferentes dos onicófagos, que não param de roer unhas –, e os coreomanos, que não param de dançar.

Alguns maníacos são inofensivos como os filopátridas, que só mantêm o desejo de voltar à terra natal, os gamomanos, obcecados pela vontade de casar, e os nostomanos, que só pensam em voltar para casa – entre os homens casados, esses me parecem casos raros.

Outras obsessões são mais perigosas, mas só atingem ao maníaco, como a catapedamania, que é a vontade irresistível de pular de lugares altos, ou a monomania, que é a obsessão pura por determinada coisa ou pensamento.

É também o caso da onemania, a compulsão em fazer compras que, unida à doromania, que é o desejo de dar presentes, pode ser agradável para alguns.

Alguns distúrbios se aproximam da paranoia, como a fitomania, que traduz aquele que se sente roubado a todo momento, ou a nosomania, que ataca aqueles que se sentem acometidos por doenças imaginárias – parecidos com os hipocondríacos, esses mais preocupados com os remédios. Bem pior é a teomania, sensação permanente de ser poderoso como Deus ou até mais do que Ele.

E há também a mitomania, aquele incontrolável desejo de mentir. Deriva da palavra mito.

Manias são manifestações individuais e são raros os distúrbios que têm implicação sobre toda uma nação, como a lalomania presidencial. A lalomania simples é a loquacidade doentia, aquela falação sem parar que acomete algumas pessoas que não pensam antes de preferir qualquer palavra. A outra é mais grave.

Isso até pode ser explicado pela física; a velocidade do som – das palavras, portanto – é três vezes maior que os impulsos nervosos, origem do pensamento, por meios dos dendritos, sinapses e axônios. Mas nesse caso é melhor ouvir a vovó e pensar antes de falar.

Quando a lalomania vem acompanhada da autoridade, tanto pior. E faz com que um país inteiro passe a discutir frases tortas e pensamentos imperfeitos ao invés de se debruçar nos fatos que verdadeiramente vão afetar a vida de cada um. Soa como um diversionismo tático.

Mais grave ainda quando a verborragia vem acompanhada de imagens escatológicas, preconceitos, palavras de ordem, incitações, desprezo e vaidade. O povo nos ensinou que uma ação vale mais do que mil palavras, mas palavras são instrumentos afiados, ferem, provocam reações, não devem ser disparadas sem porte.

Engels – filósofo alemão malvisto pelas bandas brasileiras ultimamente – disse que um grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria. Mas quem quer saber da opinião de um notório comunista? Fácil responder: ninguém, mesmo que ele tenha razão.

Mas voltando às manias, é preciso registrar também outro perigo: a sebastomania, a insanidade religiosa, que deixa pessoas terrivelmente certas de que tudo se resolve por meios das crenças religiosas. Uma oração é mais eficaz quando acompanhada de ação.

Publicado no Correio Braziliense em 18 de agosto de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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