Entre raios e trovões

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Os temporais, raios e trovões que açoitam a cidade nesses dias competem com a necessidade que temos de desejar um ano novo mais feliz do que este que está terminando – e já vai tarde. Mas todo mundo sabe que os estragos são inevitáveis e aquela história de ano bom ficou só na folhinha. Que também foi desmoralizada: onde já se viu ano comprido assim?

A umidade do ar vem carregada com a certeza de que não será um período fácil para ninguém, ciclo que já vai além dos 12 meses regulamentares e começou com uma doença terrível, causada pelo vírus da intolerância. E pelas sequelas que a estupidez traz.

Amigos de longa data deixaram de se falar, outros continuam, mas com palavras de baixo calão, alguns fizeram loucuras daquelas que esperam pelo fim do mundo, que ainda não veio, deixando só o arrependimento; enfim, teve de tudo. A previsão dos otimistas é que piore; a dos pessimistas é igual.

Até aquelas antigas resoluções de ano novo não têm mais sentido. Deixar de fumar para quê? Mudar de emprego como? A impressão geral é que estamos presos em nosso próprio tempo, a espera de uma mágica que faça as brumas da intransigência se dissiparem.

Há uma sensação de impotência que já tinha sido prevista por Bertrand Russell: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida e as pessoas idiotas estão cheias de certeza”. E olha que ele disse isso há quase 100 anos.

A passagem do tempo mostra que, de algum jeito, sobrevivemos à idiotia e, portanto, não precisamos ser catastrofistas. Tá ruim, pode piorar, mas não é o fim do mundo. Só o planeta virtual – o tal metaverso, que promete ser o nosso novo pesadelo; uma rede social em três dimensões – parece perdido, quase como o mundo de mortos-vivos de Walking Dead.

Como não podemos cuidar do mundo, é possível olhar os amigos. Esses sim, a gente pode apoiar, tentar enxergar o que sempre vimos neles antes da epidemia e cujo maior defeito era uma restless legs syndrome (RLS), que traduzimos por aqui como síndrome das pernas nervosas (ou inquietas). Era um tempo em que cada um votava em quem queria, defendia suas posições com educação e só se admitia discussão mais acalorada quando o assunto era futebol.

Enfim, é o sol que marca o início de um período; isso vem desde os antigos egípcios, 6000 anos atrás e não mudou com a introdução do calendário gregoriano. Os chineses têm uma outra forma de marcar o tempo, igualmente baseado na posição do sol, mas também da lua, só vai começar dia primeiro de fevereiro – é o ano do tigre.

Pra nós parece que vai continuar sendo o ano de outro bicho, aquele em forma de bolinha cheia de pontinhas, parecido com um ouriço colorido. Que essa chuvarada, além de fazer estragos por todo canto, lave um pouco a nossa consciência. Bom ano (com fé, ele vai acontecer)

Publicado no Correio Braziliense em 26 de dezembro de 2021

Ilustração: quadro A Idiota, de Iberê Camargo

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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