Entre filósofos

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Essa ideia de acabar com incentivos aos cursos de filosofia só não pode chegar ao botequim. É ali, numa cadeira de plástico, que o sujeito esquece a matemática da vida e mergulha nos mistérios da natureza humana, mesmo que seja na profundidade de uma poça d’água. É neste refúgio que a vida faz algum sentido.

O filósofo Michel de Montaigne escreveu em seus ensaios, pouco depois do descobrimento do Brasil, que toda ideia nova é perigosa. Inclusive essa de tentar matar a filosofia. O que já vinha sendo feito com a autotitulação do tal guru exilado que vive do dízimo dos sectários.

Aliás, essa nova onda de gurus vem enchendo as medidas na mesma proporção que enche os bolsos desses filósofos de ribalta, que fingem tratar de todo assunto com falsas inteligência e bom humor. Há uma carência tão grande de sabedoria por esses dias que até mesmo quem não vê reina em terra de cegos.

Um é careca, outro barbudo e o terceiro é careca e barbudo. Usam a oratória para cobrir de glacê um bolo imaginário. São os novos senhores da autoajuda, mas na medida que só ajudam ao próprio saldo bancário.

Voltando à discussão da necessidade da filosofia e como não entendo chongas do assunto, fui consultar os especialistas; pedi um Fundador, que tem a vantagem de ajudar a combater a gripe, e esperei a chegada dos filósofos.

Filosofia é, na tradução do grego, amor à sabedoria. Em seus primeiros anos, servia para explicar o mundo e a humanidade sem envolver divindades; antes deles, boas colheitas dependiam de Démeter, a boa caçada estava ligada aos humores de Ártemis e os mortos, coitados, passavam para o reino do impiedoso Hades.

A filosofia representa o livre pensar. Se o governo quer eliminar os meios para ir diretamente aos fins, estará economizando sabedoria. E me lembrei de três bons amigos, engenheiros, que estão sem emprego.

Mas filósofo de bar é outra categoria. Alguns são inacessíveis; gostam de se aboletar numa mesa exclusiva, fora da zona central, e escrevem coisas em guardanapos que, ao final, são guardados nos bolsos sem que ninguém veja. Fico imaginando quantas reflexões e poemas não foram parar na máquina de lavar.

Mas existem os mais expansivos, as vezes em exagero, que não se omitem de nenhum assunto como o Faixa, que reapareceu depois de uma parada forçada pelas altas taxas médicas e pela fúria da mulher. “A filosofia tem feito muito mal ao país”, disse, atraindo atenções. “Isso de obrigar as pessoas a pensar não faz mais sentido”.

Houve o início de uma altercação. Marcos, aposentado, retrucou a gaiatice do Faixa como se fosse coisa séria. Mesmo sem saber o quanto arde uma bolha furada, ele acha que o brasileiro precisa ter calos nas mãos. “Esses meninos só estudam para poder estudar mais”, disse. Em boa hora interveio Rocha: “Pois eu sou do tempo que o difícil era pôr menino para estudar”.

Foi ele também quem disse que filosofar é aprender a morrer.

Publicado no Correio Braziliense, em 3 de maio de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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