Em busca do sexo perdido

Compartilhe

O anúncio apareceu numa dessas redes sociais e a moça interessou-se logo: um workshop tântrico em São Jorge, aqui pertinho, na Chapada dos Veadeiros. Eu estranharia; não pela proposta erótica, mas pelo workshop, porque tenho implicância com o uso de expressões em inglês quando temos correspondentes muito bacaninhas em português.

Ou será que oficina tântrica não daria a importância internacional que um evento como este merece? Ou colóquio – existe palavra mais erótica do que essa, independentemente do significado pueril? E tertúlia? Bom também; talvez muito romântico para a ocasião.

Resumindo: haveria um encontro tântrico nas águas e matas imaculadas da chapada e a moça quis muito ir. Queria descobrir por que, de repente, perdera o interesse pelo sexo; logo ela que, embora tenha aprendido tardiamente sobre os prazeres carnais, atingiu com ele, segundo diz, uma mística transcendência sensorial – nesse ponto, no entanto, eu divirjo: sempre achei que era mesmo uma tendência para a fuleiragem pura e simples (o que é bom também e dispensa desculpas moralistas).

Na véspera da viagem ela teve um sonho estranho; estava nua, no meio de dezenas pessoas, todas em pelo, andando pela superfície do Vale da Lua, quando foram pegos por uma tromba d’água. Acordou assustada, antes de ver o resultado da inundação. Não dormiu mais.

Imaginava que a água corrente era o pecado que lavava ou – no pior cenário – afogava a luxúria e a calaça. Mas não se deixou abater pela quiromancia. No dia seguinte foi ao encontro da amiga que, com ela, iria ao convescote erótico de autoconhecimento.

A mestre de cerimônias começou a falar antes mesmo que as malas fossem deixadas nos quartos da pousada. Se a filosofia original do Tantra leva à espontaneidade e naturalidade, ela demonstrava o óbvio nervosismo da primeira vez, diante de moças e casais – não havia homens solitários ali.

E a mestre falava em alquimia tântrica, êxtase, sexualidade sagrada; vestia o sexo com o véu da moralidade mística, em que o desejo obedecia a um desígnio superior.

A moça era inteligente e culta, mas nunca havia ouvido falar em habilidade háptica, termo que foi repetido algumas vezes como fundamento do aprendizado. Se estivesse no Barril 66, no Riacho Fundo, poderia ser traduzido como pegação pura e simples; e aí ela entenderia de primeira.

Ainda assim aquele ambiente deixava a moça cada vez mais segura para explorar sensações e, na medida em que experiências eram desenvolvidas, mais soltinha ficava. A amiga que estava com ela era apenas uma curiosa. Sexualmente resolvida, era bem mais pragmática. Engenheira, também ali canalizava todo o conhecimento cartesiano.

As duas não eram um casal, como exigia a inscrição. Nem mesmo a hipótese de um selinho era aventada – eca!, brincaram durante a viagem. Não havia atração entre as duas amigas, que estavam ali para ouvir, olhar e aprender. Deu certo. De tanto ouvir, olhar e aprender, no terceiro e último dia foram para a pizzaria e se encantaram com dois rapazotes bem apessoados, mas meio chucros. E a noite foi bem mais instrutiva do que workshop, tertúlia, colóquio, convescote, oficina…

Publicado no Correio Braziliense em 29 de janeiro de 2023

Paulo Pestana

Publicado por
Paulo Pestana

Posts recentes

A pressa e o tempo

Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…

10 meses atrás

Um Natal diferente

Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…

10 meses atrás

O espírito nas árvores

A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…

10 meses atrás

A graça de cada um

Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…

10 meses atrás

Destino tem nome

Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…

10 meses atrás

A derrocada da fofoca

E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…

11 meses atrás