A oclocracia sempre foi – mais que um palavrão – uma ilusão. Melhor, uma teoria. O termo criado por Aristóteles servia apenas para denominar uma das três formas de degeneração de um governo; ninguém nunca levou a sério como política viável, já que define o exercício do poder pela plebe. Até agora.
A exceção foi John Lennon, que fez até uma canção, Power to the People (Poder para o povo), que clamava pela derrubada do governo – qualquer um –, mas não falava em exercer o poder. Fica na catarse, um exercício que dá ao povo a impressão de que livre expressão é poder e não retórica.
Isso é sabido desde Confúcio, há mais de 2.500 anos: “O mestre disse: Pode-se induzir o povo a seguir uma causa, mas não a compreendê-la”.
Mas isso foi antes do whatsapp que, sabe-se agora, não serve apenas para disseminar pornografia e combinar a cervejada da noite.
Foi exatamente no boteco que o assunto estava sendo discutido com a seriedade de sempre, quando alguém cunhou uma dessas frases que na hora, duas doses acima, parece genial: “é a revolução sem tiros”.
O Faixa, que é advogado, não se emocionou. Está preocupado com a possibilidade de algum deputado favorável ao desarmamento apresentar um projeto permitindo apenas o uso de telefones fixos – pretos, de preferência. Na justificativa, ele imaginou que estaria escrito: “o povo não está preparado para ter telefones mais inteligentes que ele”.
Houve até que fizesse troça da Constituição, onde está escrito que todo poder emana do povo. “Estava na prateleira de livros de ficção”, dizia.
O fato é que os caminhoneiros – ou os chefes deles – mostraram-se mais espertos que o resto da sociedade. Há quem se lembre dos tempos em que se ouvia Pedro gritar “É uma cilada, Bino!”, quando farejava qualquer perigo nas aventuras de Carga Pesada, o velho seriado da tevê. Agora a ameaça está na boleia. E no celular.
Os entendidos que não enxergam o óbvio acreditavam que a limitação do número de usuários de cada grupo do aplicativo (256) serviria como freio; erraram feio. O poder de informação – e principalmente de desinformação – revelou-se imenso; o Brasil inteiro soube de golpes iminentes que nunca foram planejados, por meio de áudios, vídeos e memes.
“O povo está nas ruas em Brasília. A revolução começou”, dizia uma voz feminina, já depois de amainada a crise, sem informar que a multidão eram fiéis na procissão de Corpus Christi. Isso sem contar imagens antigas apresentadas como cenas do último minuto. Enquanto o povo estava na fila da gasolina, havia um fake coup (golpe falso) sendo armado.
Há uma eleição logo na esquina, com políticos encurralados e uma população sedenta para mostrar poder, mesmo sem saber o que fazer com ele. Nas redes sociais aumenta o número de postagens que defendem o voto nulo, sem medo da idiotice da proposta – entrega-se a administração do país a quem? Kierkegaard explicou melhor: “O povo pede o poder da palavra para compensar o poder de livre pensamento a que ele foge”.
Publicado no Correio Braziliense de 8 de junho de 2018
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