É proibido rir

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Se alguém ainda tinha alguma dúvida de quem o mundo está ficando cada vez mais chato, a prova é o cancelamento da revista satírica norte-americana Mad. O jornal The New York Times também anunciou que parou de publicar cartuns em sua edição internacional.

No caso da revista, o cancelamento interrompe 67 anos de afiada crítica social e ácida observação contra a indústria cultural. O último número será publicado em agosto; depois, só edições especiais com material já publicado – ou seja, só piada velha.

Mad não poupava ninguém e é mais uma vítima do patrulhamento politicamente correto de hoje. E segue uma linha de cancelamentos que já havia vitimado Spy, The Onion e Cracked (esta última sobrevive porcamente como site).

No Brasil, as publicações satíricas são tradicionais – vem desde o século XIX – mas também não há mais nada nas bancas. A primeira publicação do estilo foi Lanterna Mágica, em 1844, que abriu caminho para Don Quixote, de Angelo Agostini, em 1895, e outros.

As publicações galhofeiras se consolidaram no início do novo século, com O Malho (1902), Fon-Fon (1907), Careta (1908) e A Sátira (1911), entre outras. Eram miscelânea de artigos, desenhos – os de Don Quixote eram deslumbrantes – comentários sobre notícias dos jornais e críticas que hoje seriam consideradas pueris.

O Malho, por exemplo, criticou a tradução do romance La Veritè, de Emile Zola, que o Jornal do Commercio publicava em capítulos. “O homem traduz mademoiselle por senhorinha, omelette por omeleta” (aqui a reclamação foi pela ausência do vernáculo fritada ou fritura de ovos).

Mais tarde veio A Manha (1926), do Barão de Itararé, que apostava num humor direto, com textos maiores – “Semana de Cinco Dias: Um projeto de Lei para fortalecer e revigorar a Lei do menor esforço” – e charges – “Diz o crítico: Acho pouca claridade nos seus quadros… E o pintor: É que a Light me cortou a luz”. Tudo muito inocente.

Em 1964 apareceu Pif Paf, de Millôr Fernandes, herdeiro da coluna semanal que o humorista tinha na revista O Cruzeiro, de onde foi demitido com um editorial pesado. Durou apenas oito números, mas abriu caminho para que fosse lançado O Pasquim, cinco anos depois.

Pif Paf era uma reunião de craques do humor, mas hoje seria considerado impróprio e ofensivo. Logo no número de estreia, Stanislaw Ponte Preta atacou: “homem que desmunheca e mulher que pisa duro, não enganam nem no escuro”. O Pif Paf, como muitos de seus antecessores, pode ser lido na hemeroteca da Biblioteca Nacional (bndigital.bn.br)

Mais tarde surgiriam as últimas publicações satíricas brasileiras, Casseta Popular (1978) e Planeta Diário (1984), que também não teriam lugar no mundo atual. Como justificar, por exemplo, as impagáveis manchetes do Planeta Diário? – “Candidatos a gay dão tudo na reta final”, “Papa bota ovo na missa do galo”, “Acidente nuclear: cadáveres de Goiânia estão fora de perigo” ou “Saci Pererê começa o ano com pé direito”.

O fim da revista Mad marca o fechamento de uma época; de agora em diante a ordem é rir de boca fechada.

Publicado no Correio Braziliense, em 19 de julho de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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