Chorando pelas árvores

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Ideiafix é um cachorrinho que gani desesperadamente cada vez que vê uma árvore ser arrancada. O que ocorre com certa frequência nas histórias em quadrinhos criadas pelos franceses Goscinny e Uderzo a partir 1959, principalmente quando seu dono, Obelix, enfrenta romanos ou caça javalis nas florestas da Gália. Foi o primeiro personagem abertamente defensor da natureza.

Cidade parque, obedecendo o conceito criado por Le Corbusier e abraçado por Lúcio Costa, Brasília também exerce um poder mágico sobre seus habitantes, não como o da poção do druida Panoramix sobre os irredutíveis gauleses, mas ainda assim poderoso. As árvores fazem parte dessa magia.

Algumas pessoas se apaixonam tanto que agora, nessa bobagem de linguagem politicamente correta, as plantas passaram a ser chamadas de “indivíduos arbóreos”. São os nossos Ideiafix, que defendem árvores – mesmo as espécies importadas – com unhas, dentes, cordas e o que mais estiver à frente.

Está acontecendo agora no Sudoeste, onde alguns moradores lutam contra a retirada de algumas árvores para a construção de um viaduto. Nem mesmo a reposição ambiental – no DF cada árvore nativa retirada exige o plantio de outras 10; se for espécie exótica, são cinco – serve de consolo.

Não é algo novo. Moradores de várias quadras protestam até quando é preciso fazer poda, mesmo que represente perigo para eles mesmos, que passam pelo local e estacionam seus carros. Mesmo que no Distrito Federal, todos os anos, sejam plantadas de seis a oito mil árvores – frutíferas ou ornamentais – a turma Ideiafix chora a cada galho cortado.

Há alguns anos, um amigo morador da Asa Sul, fez protesto solitário contra os trabalhadores enviados para cortar uma árvore que ficava na frente do bloco. Valente, se pôs à frente do caminhão para impedir as manobras, imitando aquele chinês que enfrentou um tanque de guerra na Praça da Paz Celestial, em Pequim. Do chinês eu não sei, meu amigo continua por aí, o que mostra a vantagem da democracia. Ou não.

A tentativa de impedir o caminhão não deu muito certo e meu amigo apelou para uma ação mais radical: acorrentou-se à árvore condenada à motosserra. Os trabalhadores se divertiam com o fuzuê, outros moradores apoiavam o protesto, mas alguns o chamaram de palhaço. Disposto a tudo para defender a árvore, imensa, que alcançava os últimos andares do bloquinho – um daqueles de três andares com pilotis, das quadras 400.

Meu amigo só não perdeu os cabelos porque já não os tem há tempos. Falando grosso, desafiava o que ele chamava de inimigos da natureza, amantes do concreto, brutos, insensíveis. Não adiantaram as explicações técnicas de que as raízes da árvore ameaçavam a estrutura do prédio. Estava irredutível com um gaulês do gibi.

Lá pelas tantas, resolveu ligar para uma amiga que entendia de plantas, procurando solidariedade e contou toda história. A amiga tentou ser solidária, mas não teve jeito.

– Isso é um fícus, uma falsa-seringueira. Não vale nada e só dá dor de cabeça. Deixa cortar.

Cabisbaixo, meu amigo parou de cuincar, recolheu a corrente e foi esconder sua vergonha.

Publicado no Correio Braziliense em 19 de setembro de 2021

Paulo Pestana

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