Chacina no Lago Norte

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Não entendo lhufas de cachorros de quatro patas. Mas sei que a raça labrador é uma das mais queridas; são animais sociáveis, gostam de brincar com crianças, guiar cegos e cheiram droga nos aeroportos. Assim é o Toni. Ou era essa a impressão que ele sempre passou aos frequentadores da banca do Cordeiro, no Lago Norte.

Fujão, aparece sempre no recinto com aquela cara de pidão que todo cão desenvolve ainda no útero; quando em casa, fuça pelas gretas do muro até que alguém lhe ofereça um osso, resto da carne que a turma assa de quando em vez.

O cão labrador é um atirado, desconhece timidez, é simpático. É também um virador, quase um Tom Cruise na pele de Ethan Hunt, o agente de Missão: Impossível. Toni escala cerca, sobe em árvore, entra onde não deve e é um especialista em fugas espetaculares, que deixam os donos (não contaram a ele que cão tem tutor) conhecidos nos arredores.

Toni não foi adestrado; foi criado solto no amplo terreno da casa, com espaço para fazer tudo o que os cachorros fazem, principalmente nada. Aprendeu sozinho o poder que o choro tem. Solta aquele acoo doído quando aprisionado no amplo canil da casa, para desespero dos vizinhos; é um amante da liberdade e só para quando solto. Ou foge.

Excelente nadador, o labrador é um cachorro originário do Canadá, mas desenvolvido pelos ingleses, no início dos anos 1800. E sabe-se que inglês gosta de caçar. Vai atrás de perdiz, raposa (proibida desde 2005, ainda sob protestos esnobes), pato, faisão e ainda tem tempo de ir a safari na África. O labrador foi criado para caçar aves aquáticas.

Certamente Toni não sabe disso. Nem seus tutores, que o tratam a base de ração e um eventual osso. Mas o pedigree não falha. Foi assim que, aproveitando-se de algum descuido, dia desses Toni escapuliu.

Normalmente, ele dá uma volta grande, faz xixi em vários postes, passa pela banca de revistas e se embrenha em algum beco antes de ser resgatado. Nesse dia ele não foi longe; aproveitou um portão aberto na própria rua e entrou no quintal alheio.

Quando viu um bando de galinhas e pintos algum gatilho foi acionado na cabeça do Toni e ele, certamente se imaginando em Northhamptonshire, Haslemere ou qualquer outro cantão britânico repleto de faisões, partiu com a fúria das matilhas.

Não sobrou pena sobre pena. A imagem pacata que Toni sempre mostrou para a vizinhança foi por terra com aquele cruento morticínio.

O tutor das galinhas – se é que as penosas também estão nessa classificação ridícula – se deparou com a cena. As táticas de fuga falharam e o perpetrador ficou no local; o dono/tutor foi chamado. Ao ver o tamanho da tragédia se dispôs a pagar a fiança, ressarcindo o vizinho e pagando pelas finadas penosas.

O dono ficou no prejuízo, o vizinho comprou 50 galinhas e pintos novos – dizem as más línguas que o preço cobrado daria para comprar o dobro, tanto que ele agora deixa o portão aberto talvez na esperança que o cão volte. Toni foi recolhido aos costumes. Na banca, só lamentamos que as galinhas não tivessem virado petisco.

Publicado no Correio Braziliense em 5 de novembro de 2023

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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