Beber à saúde

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Deixamos passar de propósito. Ano passado apareceu estudo médico dizendo que beber, mesmo moderadamente, faz mal à saúde. Escolhemos não acreditar que uma garrafa de vinho – logo ele, tão bem falado – equivalia ao prejuízo de dez cigarros. E que tequila pode aumentar o risco de um AVC, ao contrário do que era especulado.

A pesquisa não livra nem as pessoas educadas, que bebem moderadamente – um litro de cerveja ou duas tacinhas de vinho por semana bastariam para aumentar riscos. Mas nas letras miúdas revela-se que ela foi feita entre chineses, até porque o objetivo era entender porque os asiáticos ficam tontos mais rapidamente.

Há estudos para tudo, com resultados feitos para agradar o freguês. Depende, acho, de quem financia. Já vivemos época em que a margarina deveria substituir a manteiga, que o ovo frito deveria ser banido, que o óleo de canola era incensado, que miojo e mandiopã deveriam fazer parte da dieta das crianças. Tudo mudou.

Na mesa do bar, chegamos à conclusão que podem estar usando o mesmo truque de Moisés, que levou a proibição divina de não comer carne de porco a seu povo; altamente perecível, o produto causava muitas doenças. Na nossa teoria – sem comprovação científica e feita depois de alguns goles – o governo chinês quer gente mais sóbria por lá.

Cerca de 2,3 bilhões de pessoas neste planeta redondo – e que no caso dos exageros gira muito mais rápido – bebem álcool. Somos minoria e cercados de abstêmios ou, no mínimo, mentirosos. Tirando crianças e adolescentes, sobram 5 bilhões de pessoas; 2,7 bilhões estão vigiando e regulando quem gosta de uma pinguinha, de um licorzinho, do inocente Vermute, até do Biotônico Fontoura.

O Faixa, companheiro de bar, quase um filósofo do hedonismo, sustenta que esses estudos são perda de tempo. A tese é que a bebida alcoólica no copo representa os louros do fim da prova do dia a dia, o momento em que todo o transtorno da vida é sorvido em goles de recompensa.

“E quem quer ser o highlander?”, pergunta ele, lembrando-se do guerreiro imortal que luta para manter a cabeça grudada ao pescoço.

Na contramão dos chineses, há estudos que mostram que a satisfação com gole é um poderoso serviço contra o estresse, que a Organização Mundial de Saúde ainda não reconhece como doença, mas que é a causa de algumas delas. Hans Selye, canadense e um dos maiores especialistas da matéria, sustenta que o estresse é o resultado de uma civilização criada pelo homem, que ele mesmo não consegue suportar. Um trago ajuda.

Mas o principal é que agora chega um novo estudo a dizer que o consumo moderado do álcool traz benefícios à saúde, com a vitamina B da cerveja e antioxidante dos vinhos (quando nada, com o limão da caipirinha… ). Nesse estudo nós acreditamos.

Evitando os exageros, seguimos lendo e acreditando em Charles Bukowski: “Se acontece algo de ruim, bebe-se para esquecer; se for algo de bom, bebe-se para celebrar; se não acontecer nada, bebe-se para que algo aconteça”.

Publicado no Correio Braziliense em 6 de março de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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