À parte a estupidez de destruir uma pintura, qualquer que seja, agravada pelo fato de ser um Di Cavalcanti, entre tantas obras depredadas pela horda bárbara que Brasília conheceu, é preciso reconhecer que eram obras fora de lugar. O quadro, ainda que inspirado pelo muralismo, não foi feito para ser colocado no mezanino do Palácio do Planalto, embora iluminasse o lugar – pelo único fato de poder ser apreciado por poucas pessoas.
Menos gente ainda tem acesso a obra de tapeçaria conhecida como Músicos, também de Di Cavalcanti, que fica na Biblioteca do Palácio da Alvorada – e lá só vão convidados do presidente da República (a obra está na ilustração). Um pouco mais democratizada é a apreciação de outro painel do artista, conhecido como Candangos (o artista nunca nomeava suas obras), e instalado no salão Verde da Câmara dos Deputados – e ainda assim a iluminação do local não é a mais adequada.
Defensores da localização dessas obras de arte podem dizer que elas servem de complemento à arquitetura. Músicos, por exemplo, foi encomendada, em 1961, pelo próprio Oscar Niemeyer, talvez como forma de compensar a excessiva frieza do ambiente da residência oficial do presidente. Mas ninguém pode discordar que são obras maiores que os ambientes que ocupam. Também por isso, estão fora de lugar.
Brasília é repleta de situações como estas. O Banco Central, por exemplo, tem em seu poder obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Ismael Nery e outros mestres da cultura brasileira. O acervo inclui o quadro Descobrimento do Brasil, obra-prima de Portinari, e Bandeira do Brasil, o maior quadro de Volpi. Tudo fora de lugar.
O Banco tem uma galeria de arte – fechada para reforma e que só pode ser vista virtualmente, num tour muito do mixuruca na página www.bcb.gov.br. Ainda assim muitas obras importantes ficam em salas de reunião e em gabinetes de pessoas engravatadas e com o colarinho engomado que certamente não dão muita bola para elas, já que só veem cifrões, ainda que valham um bom dinheiro.
A situação é um pouquinho melhor com outros acervos bancários, como o do Banco do Brasil, que tem centros culturais em quatro capitais e promove intensa rotatividade de mostras. Ainda assim, gabinetes dos bacanas de plantão são coloridos com obras dos mais importantes artistas brasileiros – e quase ninguém vê.
A Caixa Econômica também mantém seu acervo, com Djanira, Portinari, Poteiro, e faz exposições em seus centros. Mas ninguém sabe o que há nas salas de reunião – certamente nem quem as frequenta; no máximo, o sujeito dá uma espiada, solta um oh!, e volta a fazer contas.
É uma arte imensa, infelizmente para poucos. O cidadão comum tem quase nenhum acesso a esse conhecimento, não pode se deslumbrar com a riqueza do material e tem que se contentar, na maioria das vezes, com visitas pela internet.
Nada pode justificar a ação destruidora e a sanha violenta daquela gente – substantivo que não deveria ser permitido àqueles descerebrados – mas também nada pode justificar que este acervo de órgãos públicos continue tão exclusivo e apartado da sociedade que, na maioria das vezes, o inspirou.
Publicado no Correio Braziliense em 10 de fevereiro de 2023
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