Sempre de camisa social – e com bolsos, onde guarda papéis amarfanhados – ele apareceu no bar naquele final de manhã vestindo uma camiseta amarela; não tinha número nas costas, nome de jogador e nem o escudo da CBF, mas era evidente que era o tal clima da Copa chegando. Ninguém falou nada, mas havia espanto no ar. Afinal, tratava-se de um recalcitrante.
Nos últimos meses, se recusava a falar até em Brasil – substituiu pelo genérico País – e o gentílico brasileiro virou “essa gente”. Seus discursos contra o impeachment da presidenta e os regozijos a cada encalacrada do substituto e seus aliados eram histriônicos. Acabaram com qualquer discussão política no ambiente quando ele estava por perto.
Mais do que a falta de vontade dos outros em debater com um irredutível, havia um pedido do dono do estabelecimento, certamente preocupado com fiscais do silêncio e da decência. Mas aquela camisa amarela, como no samba de Ary Barroso, mudou tudo. Ele parecia resgatado e nem reclamou pela centésima vez que os craques do escrete nacional moram fora do País – “quase estrangeiros”, dizia.
Muitos estudiosos já perderam tempo tentando descobrir porque o futebol representa tanto para o brasileiro. Na verdade, não importa. Mesmo antes do primeiro título mundial, há 60 anos, o futebol exerce um fascínio que ultrapassa o simples ufanismo; e não é apenas porque ele nos representa entre os melhores do mundo – para isso temos o vôlei.
A cidade já viu decorações de rua mais empolgadas, mas aos poucos aparecem meios-fios verde e amarelos, lábaros expostos nas janelas e até bandeirinhas nos carros. Aquele fatídico sete a um parecia ter tirado a graça da folia antecipada, mas se um recalcitrante começa a se render ao escrete, é porque o vento mudou.
Nosso amigo não se ufana. É daqueles que, como as misses, ainda acredita na paz mundial, num mundo sem fronteiras e concorda com Samuel Johnson quando diz que todo patriota é um patife.
Mas na hora em que o time dele entra em campo, vira um ogro furioso, a favor de qualquer ação – principalmente as mais baixas – que façam a vitória mais fácil. Mas reclama dos políticos que também fazem tudo para preservar o poder. Ou seja, é um brasileiro típico.
A camisa amarela o transformou. Pediu logo uma cerveja com o rótulo de um ano em que o Brasil foi campeão, mesmo preferindo outra marca, e avisou que vai torcer; aquela derrota que assombrou a nação – e deixou o netinho, então com cinco anos de idade, inconsolável – ficou para trás, como tudo há de ficar.
Voltando ao samba do Ary Barroso, resta saber se o amigo fará como o folião mamado e chumbado que, passada a Florisbela e a folia, pegou a “camisa amarela, e botou fogo nela”. Vai depender do nosso onze.
Aliás…
Concursos de misses estão abolindo o desfile de biquíni. Sou do tempo dos maiôs Catalina e não vejo mais esses concursos, mas quero protestar porque os candidatos a Mister Universo vão continuar desfilando de sunguinha. Coisificar homem pode?
Publicado no Correio Braziliense de 15 de junho de 2018
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