As amigas diziam que ela era danadinha. Havia uma pontinha de inveja na afirmação, talvez porque ela se comportasse de modo bem mais liberal que todas as outras; por isso, saia mais, beijava mais, conhecia mais gente, era mais popular. E nem ligava para os comentários – ou pelo menos dizia nem ligar.
Mas ela passou a exagerar, até a correr riscos. Virou prisioneira da liberdade que tanto cultuou desde menina, com o próprio pai, que pagou as primeiras doses de chope e também de destilados, bebendo à mesma mesa, na certeza que estava livrando o mundo de mais uma chata.
“Quem não bebe é insuportável”, dizia para justificar o ato. Ela cresceu e foi para o mundo com volúpia, mas uma ponta de amargura e solidão, como a personagem de Um Caso Perdido, samba do Paulinho da Viola.
Tinha realmente uma vida ativa, ligada na tomada, energizada. Parecia ir bem até se internada pela primeira vez numa clínica para dependentes químicos, num ato raro: ela própria foi ao estabelecimento e pediu a internação depois de comprometer o emprego por causa dos excessos. Passou dois meses mexendo com a terra, plantando e colhendo, participando de palestras e trocando experiências.
Voltou ao mundo renovada, decidida a não beber mais, o que cumpriu por muitos anos. Mas, talvez como forma de compensar as carraspanas, namorava. Com a mesma volúpia que consumiu copos no passado, colecionava amores. Era uma diversão de quem não queria compromisso, ela dizia para as amigas, mas a verdade é que ela queria algo mais, embora não soubesse.
Da mesma maneira que viu os excessos de álcool, ela própria enxergou exageros nos amores. E um soube que havia um grupo de Dependentes do Amor e do Sexo, nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos que ela frequentou, conseguindo vencer os 12 passos. Eram 10 pessoas na primeira reunião, realizada numa sala da Asa Norte, incluindo uma mediadora. Não estranhou nada.
As cadeiras estavam dispostas em círculos, havia uma mesa com lanches no canto da pequena sala, o ambiente era sóbrio, tudo como no AA. E o método é bem parecido: as pessoas se apresentam, se declaram dependentes e narram fatos acontecidos com elas e que as levaram até ali.
A diferença é que os vexames proporcionados pelo álcool ficam embotados, mas os atos praticados por quem depende de amor e sexo são bem mais vivos na memória. Mas a consciência tem que ser maior que a vergonha.
A cada caso, ela se enxergava. “Já fiz isso”, dizia para si mesma. Mas não conseguiu falar nada na primeira vez; sexo é um tabu muito mais forte que o alcoolismo. Ela, que nunca teve problemas de narrar suas aventuras até para pessoas não muito próximas, se sentiu oprimida naquele ambiente.
A nossa amiga entendeu que estava usando o sexo como droga. A ciência explica: a liberação da dopamina provoca sensação de prazer semelhante, porque atingem a mesma região do cérebro.
Pela segunda vez ela venceu o desespero, a angústia e o vício. A próxima batalha está marcada: o inimigo da vez é o chocolate.
Publicado no Correio Braziliense em 20 de dezembro de 2020
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