Andar em Brasília está um perigo. Não que o número de bandidos tenha aumentado, isso é intriga da oposição; mas é que as ameaças estão se multiplicando pelas ruas da cidade. Andando pela Asa Norte quase fui vítima de um petardo que veio do alto com velocidade espantosa e, por sorte, caiu a menos de um metro de onde eu passava. Era uma manga.
Deve ter vindo da ponta dos galhos porque não ouvi o farfalhar das folhas que muitas vezes serve de aviso para o incauto transeunte. Madura, com aquelas pintas pretas na casca e já bicada por algum passarinho, o fruto espatifou-se no chão, espalhando um pouco do suco pelas imediações. Se tivesse me acertado a cabeça ou o ombro, certamente ganharia um galo e um colorido especial na camisa.
Também é tempo de jamelão, mas a frutinha não ofende. Só cai depois de um vento, é pequeninha e o máximo que o freguês ganha é uma mancha arroxeada – se conseguir pegar e lavar, ganha um sabor único, com um amaríssimo travor – parafraseando Catulo da Paixão Cearense em Ontem ao Luar – que pode incomodar paladares delicados mas faz a festa no botequim, como um apreciado tira-gosto vegano.
Mas o perigo não vem apenas no reino vegetal e dos pomares que se espalham por toda a cidade. Um distraído que anda pelos gramados ou mesmo pelas áreas abertas com o recuo das cercas das casas que margeiam o lago Paranoá, pode ser surpreendido pelo ataque rasteiro de ferozes quero-queros, que não gostam de aproximação nos ninhos.
Os pássaros, também chamados de tetéu, têm um semblante pacífico, dificilmente passam dos 40 centímetros de altura, mas guardam arma escondida entre as penas das asas: dois esporões. São bichos valentes. Diante da invasão do espaço que julgam seu, eles emitem um alerta estridente; gregários – embora monogâmicos – chamam outros para formar uma linha de defesa certamente mais previdente que a do escrete nacional.
Se o incauto insiste em continuar o passeio pela área pode se preparar. Os quero-quero avançam, alguns levantam voo e começam a sobrevoar com a eficiência da Luftwaffe e dando rasantes. Ainda não consegui encontrar alguém que ficasse até o fim para saber o resultado da ofensiva aérea.
Diferente do ataque dos caburés, as corujas buraqueiras, que vivem em tocas rasas e não emitem som antes da investida. Com precisão fatal, não esperam companheiros para atacar: descem em velocidade, parecendo dispostos a dar uma cabeçada ou usar as garras – são aves de rapina, afinal – e assustam.
Os caburés são carnívoros, mas não precisamos nos preocupar tanto; preferem roedores e insetos, de ratinhos a besouros e grilos, nada escapa aos dois olhões deles, ainda mais quando, na hora da caça, ficam sobre muros ou mourões, quase sempre se equilibrando num pé só, esperando o jantar passar. Mesmo assim conheci muito humano que levou corrida de caburé.
E agora ainda temos o perigo das capivaras. Em terra não atacam, mas ficam valentes quando estão no lago. Ainda assim são uns docinhos se comparadas ao bicho-homem. Esses sim, são ameaças.
Publicado no Correio Braziliense em 6 de janeiro de 2023
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