Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas, em que pacientes de vários doutores esperam ser chamados num cômodo único, a coisa piorou muito; é uma pena coletiva e nada solidária. Ninguém ali quer saber da angústia do vizinho de cadeira, talvez para suportar melhor a própria agonia.
Como não gosto desses programas de TV matinais – embora estivessem sendo exibidos sem som, o que melhora muito – tentei entabular uma conversinha com a mocinha ao lado, mais na base do desabafo pela demora do atendimento do que de outra coisa. Não deu muito certo, porque ela estava acompanhada. De um telefone.
A mocinha até respondia, mas não tirava os olhos e os dedos do telefone, digitando sem parar, alternando entre o whatsapp e redes sociais com uma precisão de malabarista chinês, daqueles que equilibram 18 pratos rodando de uma vez. Em certo momento, como se estivesse mesmo no picadeiro, ela tirou outro telefone da bolsa e atendeu a uma chamada sem parar de digitar.
Não prestei atenção na conversa porque não sou (muito) enxerido, mas é impossível não lembrar de um tempo em que não havia nada disso e a sala de espera era menor e cheia de revistas velhas. Eu mesmo estava ali com uma geringonça, com os jornais do dia à minha disposição, tentando me distrair antes de ouvir o vaticínio do doutor, mas desconcentrado como um bode solto, por causa de uma repentina anosmia, embora o lugar estivesse cheio de gente com seus odores.
O passado me salvou: lembrei de um tempo em que era possível se esconder do mundo nem que fosse por alguns minutos para recarregar as baterias, de quando era possível ter longas férias, de quando se preenchia uma folha de cheque sem levar susto porque o dia 10 já estava chegando. Olhei de novo para a mocinha e não gostei da cara do mundo novo que construímos.
A mocinha continuava a teclar seus diálogos, provavelmente com mais de uma pessoa, tal a velocidade das frases. Não interessa o assunto, para ela era a coisa mais importante do mundo porque ninguém hoje sabe parar um minuto. E me lembrei de uma amiga muito querida que em alguns finais de tarde largava tudo para ir à roda gigante da Nicolândia, só para apreciar o espetáculo que o pôr do sol oferece.
E recorri à minha tabuleta eletrônica para buscar por uma velha poesia do Drummond. Estava lá, como tudo, ao alcance de um dedo:
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui pra adiante vai ser diferente…”
A leitura ficou por aí. O número da senha apareceu no visor. Finalmente era minha vez.
Publicado no Correio Braziliense em 5 de maio de 2023
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