CRÔNICAS REVISTAS: A pergunta fatal

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Começar uma discussão sobre relacionamento com uma mulher é como entrar num jogo perdendo de dois a zero. Difícil empatar, mais difícil ainda é virar. Se ela conseguir fazer a pergunta fatal, então, babau, enfie o rabo entre as pernas e vá para um canto lamber as feridas. A pergunta capital, mãe de todas as derrotas masculinas é: você tem medo de quê?

Vem de repente, no espaço deixado por uma singular vírgula, durante uma tentativa de racionalizar a conversa – sim, até porque tudo nasce de um sofisma; precisamos conversar. Enquanto o homem não entender que, no vocabulário feminino, “precisamos conversar” é o mesmo que “quero falar e você vai me escutar”, ele entra no embate derrotado. Miserável e inapelavelmente vencido, com traços fortes de humilhação.

O homem pode não estar com medo de nada, pode ser o mais valente dos seres, um destemido. Mas o ponto de interrogação parece vir com tanta certeza que a dúvida se transforma numa monolítica convicção: ela sabe de alguma coisa que eu não sei. O sujeito sabe que é inocente, que não fez nada de errado – pelo menos não tão errado assim – mas ainda assim recua. E a hesitação é a sua perdição.

O poder de argumentação de uma mulher parece infindável, até porque é um novelo. O fio é conhecido, já foi todo mostrado, mas é outra vez desenrolado como se tudo ali fosse novo; assuntos dados como resolvidos voltam com a força de um titã, como revelações avassaladoras gravadas em pedra e os golpes são dados com a precisão de esgrimista.

Você tem medo de quê? A pergunta sempre volta, reforçando os golpes, mantendo o homem nas cordas, acuado. Toda mulher tem uma certeza na vida: alguma culpa ele tem, mesmo que ela não saiba, muito menos ele. E usam a carta para especular, para tentar descobrir algo que aumente o novelo. Ou só para constranger.

A elas não interessa o nocaute, a capitulação final. As mulheres só querem ter razão. Usando a homérica insolência de Iro, são elas que determinam o fim da discussão, mas sempre depois de exauridas as forças do parceiro que aquiece, ainda atordoado.  Também são elas que propõem as inegociáveis condições para a paz entre o casal.

No final de tudo, a gente não sabe por que a discussão – desculpe, conversa – começou e nem ao que levou. Mas sabe que vai ter mais. Sempre tem.

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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