Ninguém me tira da cabeça que Renato Vivacqua desistiu de escrever sobre música brasileira, principalmente sobre marchinhas de carnaval, só para não ter que comentar o que achava de Jenifer, Dalila, Juliana e outras mulheres – temas carnavalescos recentes – que tomaram o lugar das mulatas, loirinhas e outras musas sem nome, mas com graça, de ontem.
Vivacqua é um ex-carioca, já candango, que passa a vida recolhendo histórias e analisando a tal MPB, e exercendo o que ele chama de indignação cívica. Autor de livros e artigos sobre personagens e momentos da música brasileira, anunciou aos amigos que vai parar. Ninguém acredita. Deixá-lo sem música é como tirar o ar.
Há algum tempo ele encheu um porta-malas grande com uma pequena parte de seu acervo. Sorte que eu estava por perto. Mas não me considero herdeiro desse tesouro; estou mais para um fiel depositário, que vem usufruindo de revistas de modinhas, catálogos de partituras de sambas e marchas, discos e fitas.
É o registro de grande parte do que foi produzido para o chamado tríduo momesco, notadamente depois dos anos 50, quando os compositores começaram a ver que poderiam fazer dinheiro com a criatividade e as sociedades arrecadadoras começaram a cobrar pela execução das marchinhas e sambas. Antes, como disse Sinhô, samba era como passarinho: de quem pegar primeiro.
Vivacqua passou a vida recolhendo essas revistas e discos, não com o espírito do colecionador que apenas acumula coisas, mas com a sagacidade do pesquisador e a curiosidade do amante. Apaixonado por todo tipo de música boa produzida no Brasil, viveu o apogeu e o declínio do que ainda chama de “música popular mais rica do mundo”.
Diz que cansou. Mas é bobagem: é só sentar com ele por algumas horas na padaria – sim, a boemia não combina com a idade – que as histórias vêm aos borbotões, revelando a inabalável paixão. Seu livro mais recente, aliás, é bem isso. Em parceria com o médico Eudes Fernandes, é coletânea de artigos sobre grandes artistas, casos, sempre buscando a perspectiva histórica.
Mas em parte Vivacqua tem razão de anunciar a despedida. Há um desânimo generalizado entre as pessoas que gostam da MPB. Enquanto a nossa música instrumental viceja e provoca arrepios; os trovadores parecem nos ter abandonado. Está certo que faz tempo que o Brasil não inspira ninguém, mas até mesmo as marchinhas de carnaval, pequenas pérolas de insolência que o país se acostumou a ouvir, sucumbiram.
Há marchinhas críticas, mas a raiva embutida nos versos impede que a gente se divirta. É mais para dizer “bem feito”, como se fosse um tomate podre imaginário sendo arremessado, do que para se divertir. Pensando bem, depois que homem passou a se vestir de mulher até na hora do expediente, o carnaval perdeu o sentido.
É preciso categoria até para avacalhar. E não sei o que Renato Vivacqua acha de Jenifer, a música do carnaval deste ano, que veio do Mato Grosso, tradicionalmente terra de outros gêneros musicais; mas torço para que ele nem tenha ouvido.
Publicado no Correio Braziliense, em 1 de março de 2019
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…