A graça de cada um

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Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica ao riso sardônico, aquele de contração espasmódica dos músculos, próprio dos doentes com tétano. Aliás, os antigos diziam que ele era causado por uma erva da Sardenha, daí o nome, onde os gladiadores morriam com uma expressão de sorriso no rosto.

Uma boa risada depende de muitas coisas, inclusive da geografia. Daí a diferença entre o humorismo dos países. Os ingleses, por exemplo, talvez pelo clima soturno e as nuvens baixas, parecem rir de qualquer coisa. É célebre o cartum publicado em Punch, quando um homem diz a outro: “Ei John, você está esfregando a torta de morangos na cabeça…”. E o outro retruca: “E eu pensando que era salada de batatas…”

E o humor se imiscui mesmo nos dramas mais pesados, como ensinou Shakespeare em Hamlet, quando o coveiro responde quanto tempo um morto levava para apodrecer. “Nove, oito anos, menos… alguns começam a apodrecer ainda vivos”. Entre a ironia e o non sense, eles vão se divertindo enquanto nós ficamos pensando: “Qual é a graça”.

O que se sabe é que o riso não depende do humor, embora este possa provocar risadas. Massillon, filósofo e grande frasista, sustentava que “o mundo é mais perigoso quando ri de nós do que quando nos maltrata”.

No Brasil, somos mais selvagens. E faz tempo. Renato Vivacqua, intelectual de rara sensibilidade, me deu de presente um livro de Afrânio Peixoto – Humour, Ensaio de Breviário Nacional do Humorismo, de 1947, que mostra bem a diferença. É uma preciosa coletânea de textos que expõe o humor brasileiro na pena de diversos autores.

O próprio Peixoto dá a tônica, no prefácio, passando uma descompostura em todos nós: “O “humour” é uma disposição ética ou moral, que desarma a energúmenos, fanáticos, e dá conformação de justa e divertida represália, às vítimas e aos coatos. Tivéssemos nós o “sense of humour” anglo-saxofônico, não haveria essa pancadaria grandiloquente e vã, agressiva e destruidora, que anda solta por aí, entre hispanos e luso-americanos”.

Mas mostra alguma condescendência em seu ensaio: “A cultura vai, porém, modificando a alma brasileira num aprendizado e emulação de exemplo, de onde, raro em raro, um fogo fátuo de “humour”, ou relâmpago de ironia, que rompem de entre os trovões da nossa ênfase, na pancadaria da nossa descompostura”. Ou seja, estávamos aprendendo com nossos defeitos.

De 1947 para cá muita coisa mudou, inclusive o humor; mas não nos tornamos mais delicados. Ao contrário, com a valorização da falta de educação, vamos ficando mais brutos, apelativos. Mas nem todo mundo. Dia desses apareceu no bar um rapaz metido a engraçado, uma espécie de especialista – sim, eles estão em todas as áreas – em piadas infames.

São pessoas que não precisam de plateia. Eles contam a piada, eles mesmo riem. E perguntou a um: “Por que planta não fala?”. Sem esperar por resposta, ia adiante: “Porque é mudinha”. E morria de rir do chiste. “Sabe a fórmula da água benta?”… silêncio. “Agá Deus Ó”, e se contorcia.

Foi posto para fora da roda. O boteco não suporta mau humor que não seja o do proprietário. Mas também não aguenta engraçadinhos.

Publicado no Correio Braziliense em 15 de dezembro de 2023

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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