Roach, em inglês, é barata, o inseto caseiro. Mas é também sinônimo de dente postiço, que no Brasil, foi aportuguesado com o apelido de rote. Hoje, como desenvolvimento da ortodontia, é conhecida como prótese dental removível, instalada enquanto não se faz um implante. É quase o mesmo que dentadura, chapa, perereca, coregão.
A história do nosso dileto amigo começa com um dente que cai e a necessidade de tapar o buraco com urgência, o que foi feito com um rote simples. Era só para durar o tempo de fazer o implante, que foi sendo empurrado para a frente, conforme a crise financeira avançava. Ocorre que o mesmo tempo – esse deus implacável – bambeou a estrutura.
Dava para tomar um consomê, um biscoito no leite e até uma carne moída. O resto complicava. Mastigar um bife era um tormento, com a prótese sambando no meio dos outros dentes, arrecadando pedacinhos de carne e forçando a gengiva. O mesmo acontecia com pizzas, pães e até macarrão – dor e agonia se misturavam.
Ao final das refeições ele tinha que se levantar rapidamente para ir ao banheiro e fazer a assepsia, o que era constrangedor, porque se houvesse mais alguém usando a pia, tinha que ficar enrolado. Nunca que ele iria tirar a perereca da boca na frente de outra pessoa.
Diante das limitações ele imaginou desenvolver uma técnica que trouxesse um pouco mais de praticidade. Faltava colocar a esperteza à prova.
E foi jantar com a esposa, uma noite especial num restaurante singular. Escolhidos os pratos, tudo corria muito bem, com vinho nas taças. Quando os garçons tiraram as redomas metálicas que cobriam os pratos e disseram voilà houve aquela sensação de prazer mútuo.
Discretamente, o amigo pegou um guardanapo de papel e fingiu limpar a mancha do vinho tinto na boca, enquanto tirava agilmente o rote da boca, enrolando-o e deixando ao lado do prato. Conversa boa, comida excelente, risadas, um clima que o casal – junto há tantos anos – não experimentava desde muito tempo.
O detalhe é que o amigo é maníaco com limpeza; chega às raias da alienação. Nas mesas de bar acena constantemente para o garçom tirar copos usados, limpar detritos, enxugar líquidos. Nem o ambiente fino do restaurante conteve a obsessão. Assim que terminaram os pratos principais, pediu uma limpeza geral.
A conversa o distraiu ainda por alguns minutos, mas enquanto a esposa apreciava as sugestões de sobremesa no menu, passou a língua nos dentes e sentiu a falha. Olhou para os lados a procura do embrulhinho de guardanapo e nada, bateu o desespero. Esqueceu a fleuma, levantou-se e disse ao o garçom: “Você levou meu dente!”.
Atônito, o rapaz fez cara de quem não entendeu. Ele explicou a situação, pediu para procurarem na cozinha, no lixo, onde fosse. Foi até os fundos do estabelecimento e viu o contêiner onde são jogados os detritos. Desolado, desistiu; nem se achassem a prótese ele colocaria de novo na boca. Ficou sem dente e com uma certeza: algum mendigo ficaria menos banguela naquela noite.
Publicado no Correio Braziliense em 3 de abril de 2022
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…