Prazer não se explica. O dicionário até define o que é; mas não explica. A embalagem pode ser uma garrafa de vinho, um corpo fornido, uma companhia ou até mesmo a solidão. Alguns prazeres são tão íntimos que a gente nem confessa. De outros é possível falar.
Eu tenho um fraco por palavras novas. Tá certo, sei que é uma coisa idiota, mas a descoberta de uma nova fusão de sílabas – mais do que a união de fonemas; a palavra falada afeta menos aos nervos – ainda é capaz de me causar comichões.
Dia desses me deparei com uma palavra que eu nunca tinha visto e, com meus parcos conhecimentos do grego, não consegui desvendar os radicais: leucócomo. Busquei socorro no Houaiss para descobrir que trata-se uma pessoa que tem cabelos brancos.
Quem diria, sou um leucócomo. Leucócomo pacas, aliás.
Também descobri que funâmbulo é um sujeito que muda de opinião facilmente, mas que originalmente a palavra descrevia um equilibrista de arame – ou seja, uma evolução semântica. O contrário de famigerado, que na origem designava apenas um sujeito famoso, mas que agora praticamente exige que a fama venha de uma coisa muito ruim.
Há palavras que são tão específicas e restritas que parecem desperdício, mas que oferecem definições ricas. Parélio é uma delas: descreve um fenômeno atmosférico que não é apenas a imagem do sol refletida numa nuvem, mas exige que ela apareça intensamente em dois pontos, dando a impressão de que há mais de um sol.
Outra é algor, definição da sensação do frio. Antônimo de calor.
E há sinônimos tão fascinantes quanto a dúvida original. Farândula, por exemplo. É o mesmo que uma caiçalha, uma récova; canzoada, súcia, choldra. Todos coletivos de facínoras.
Sinônimos são ótimos para lustrar verdades hirsutas – cabeludas, diriam os parvos. Para que dizer safadeza se pode-se dizer salacidade? Mais chique e não diminui a sem-vergonhice alheia.
Não há necessidade de chamar ninguém de frouxo, tendo-se à mão adjetivos como flébil, ou tíbio, que valorizam qualquer covarde. Também não é preciso xingar o sujeito de imbecil. Basta nominá-lo de pacóvio – no mínimo ele vai desistir da briga e ir ao dicionário para saber se, além de estúpido, é um ignorante.
A memória humana é incapaz de guardar os 400 mil vocábulos da língua portuguesa – e isto sem contar os termos técnicos e científicos. Palavras que a gente aprende agora, por falta de uso, serão esquecidas ali mesmo na esquina, quando você tomar um caldo de cana.
É palavra demais. Raul Seixas cantava: “ao meu lado um dicionário, cheio de palavras que eu sei que nunca vou usar”. Mas é por isso que o vocabulário se renova, encontra outros significados para velhas palavras.
Um delicioso exemplo é o vocábulo sinistro, que fez uma viagem completa. Lá atrás era apenas um sinônimo de canhoto; depois passou a ser algo infausto, agourento e pernicioso. Virou bacana, descolado. Não se sabe aonde pode chegar.
Tanta palavra pode não adiantar muito, mas pelo menos serve para completar os quadrinhos das palavras cruzadas.
Publicado no Correio Braziliense
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