Jéssica Gotlib, do Correio Braziliense – Passar em um concurso é o sonho de muita gente, especialmente na capital federal em que 9,9% da população é formada por servidores: há 69 mil pessoas ocupadas no setor público no Distrito Federal, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A façanha, no entanto, pode virar pesadelo quando os órgãos demoram demais para convocar os selecionados ou nem chegam a nomeá-los.
O músico Bruno Souza, 26 anos, sofre com essa angústia há dois. Primeiro colocado para a vaga de professor de bateria na seleção da Secretaria de Educação do Distrito Federal, aplicada no fim de 2013, ele ainda não sabe quando poderá começar a trabalhar. “Na época, fiquei muito surpreso e feliz porque só tinha uma vaga para meu instrumento, além disso a prova estava muito difícil. Estudei muito, mas nem deu para comemorar direito”, lembra. “Cheguei a ligar algumas vezes há muito tempo para a Secretaria de Educação, mas não disseram nada. Só me resta esperar”, relata ele, que é dono de uma escola de música na Asa Norte. No concurso de que Bruno participou, a classificação final do certame saiu em abril de 2014; no mesmo ano, foram convocados profissionais de outras áreas. Em segunda convocação, algumas pessoas de música foram nomeadas, mas o baterista ainda não estava entre elas. Na última sexta-feira (8), o governador Rodrigo Rollemberg afirmou que 69 aprovados foram convocados pela Secretaria de Educação na quinta-feira (7) e anunciou que 4,6 mil temporários devem ser contratados para o início do ano letivo. No entanto, o gestor prometeu novo concurso público para a pasta até junho.
Aprovadas na seleção da Secretaria de Saúde, promovido em outubro de 2013, as técnicas em enfermagem Cláudia Ferreira, 45 anos, e Katiara Matos, 35, vivem o mesmo drama. Até agora, o órgão nomeou pouco mais de 300 aprovados para as 1.152 vagas ofertadas para a especialidade delas no edital. “Foi muito tempo de estudo e dedicação para passar, é nosso direito”, cobra Cláudia. “Nos últimos concursos, chamaram até 4 mil pessoas e era bem mais rápido. Agora, até ouvimos pelos corredores que o governo pretende contratar terceirizados em vez de empossar os aprovados”, adiciona Katiara. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, há expectativa de convocar os selecionados, mas não há previsão de data.
Classificados no Metrô-DF são outros que passam pela situação. Aprovados no certame de 2014 para a área de segurança criaram uma comissão para juntar provas contra o Governo do Distrito Federal. Eles alegam que o Poder Executivo local paga uma empresa de vigilantes terceirizados em detrimento dos concursados. “É ruim para os usuários, pois temos funções que os terceirizados não podem exercer — como primeiros-socorros e apreensão de armas e drogas —, o que gera perdas para nós e para os cofres públicos”, afirma João da Silva Neto, 43 anos. Ele conta que, segundo dados levantados pela comissão, os custos de manter os contratos temporários, a cada ano, é R$ 11 milhões mais caro do que se o governo convocasse todos os aprovados. A Assessoria de Imprensa do Metrô-DF afirmou que as atribuições dos vigilantes terceirizados e dos seguranças contratados são diferentes: segundo o órgão, os primeiros têm função patrimonial e porte de arma, enquanto os últimos se encarregam atendimento a usuários.
Legislação e processos
Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional dos Concursos Públicos (Anpac), a demora dos órgãos em nomear candidatos aprovados está ligada à falta de uma lei federal que regule o tema. “É uma questão de má vontade política. Há mais de 10 anos, estamos lutando pela criação do Estatuto do Concurso Público, mas ele não sai da gaveta dos gabinetes, pois há um grande interesse de terceirizar serviços”, argumenta.
Quando foi proposto no Senado, o Projeto de Lei (PL) nº 252/2003 foi chamado de Lei Geral dos Concursos e era visto como um recurso decisivo para diminuir os impasses judiciais sobre o tema. A medida visa dar mais transparência às seleções, exigindo que todos os aprovados dentro das vagas sejam convocados e extinguindo certames com finalidade exclusiva de formar cadastro de reserva. O PL está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados desde abril de 2014 e não tem data para entrar na pauta de votação. Atualmente, o entendimento sobre o tema se baseia em precedentes jurídicos e em decisão sobre a nomeação de candidatos publicada em dezembro de 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em nível distrital, foi sancionada, há três anos, a Lei nº 4.949/2013. Semelhante à proposta que tramita no Congresso Nacional, a norma estabelece intervalo mínimo de 90 dias entre o edital e a prova e proíbe a realização de duas seleções do Governo do Distrito Federal no mesmo dia. Também determina que todos os aprovados, dentro do número de vagas, sejam convocados e desautoriza certames feitos só para formação de cadastro de reserva. Para o advogado Adovaldo Medeiros Filho, do escritório Alino & Roberto e Advogados, “a lei pode acelerar processos locais”.
Apesar da estagnação nos trâmites da lei nacional, Maria Thereza Sombra, da Anpac, informa que 2016 será um bom ano para os selecionados em 2014 e 2015, uma vez que a promessa do governo é de que todos sejam empossados neste ano. “A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016 foi aprovada ainda em dezembro de 2015. Isso faz com que o governo comece o ano com o caminho livre para fazer seleções e convocar aprovados”, esclarece. Ela informa ainda que o ministro do Planejamento, Valdir Simão, adiantou que os órgãos terão autorização para continuar contratando em cargos essenciais.
Questão de lucro?
Um ponto de divergência quando o assunto é o atraso (ou a falta) de nomeação de selecionados é sobre o montante arrecadado com as inscrições dos processos seletivos, quando são realizados em casos em que ainda há aprovados de certame do mesmo tipo ainda não empossados. “É difícil dizer se alguém lucra com as seleções e quem seriam essas pessoas, porque todos os valores são divididos com base em contratos feitos entre a banca examinadora e o órgão contratante”, opina o advogado Adovaldo Medeiros Filho.
No livro Contratação direta sem licitação, publicado em 2000, o jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes defende que a administração pública e a banca podem fazer um tipo de contrato chamado “de risco”, em que a empresa contratada fica com os valores pagos nas inscrições como forma de remuneração. Essa posição está baseada, principalmente, em decisões do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que considerou que as instituições aplicadoras têm o direito de ficar com o dinheiro da taxa e que essa deve servir apenas para custear os gastos com a organização das provas.
Em contraponto, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou acórdão em 2008, em que considerou os recursos advindos das inscrições como públicos; portanto, seria ilegal que eles fossem revertidos em lucro para as bancas. O argumento contrário a essa tese, porém, é de que os órgãos não teriam nem estrutura nem experiência necessárias para efetivar os processos de contratação.
Passei e não fui chamado. O que eu faço?
Se você está classificado dentro do número de vagas, o direito à posse está garantido. O candidato não precisa juntar provas. Basta esperar até o fim da validade do edital e entrar com a ação judicial. Para aprovados em cadastro reserva (que se trata de uma expectativa de direito), é preciso juntar provas de que houve a preterição em função de trabalhadores terceirizados ou de novo concurso aberto dentro da validade deste, para que o juiz possa analisar o processo. Servem como provas: publicações no Diário Oficial da União de processos licitatórios, edital do novo concurso ou documentos conseguidos via Lei de Acesso à Informação. É preciso estar atento às atribuições dos cargos, que devem ser exatamente as mesmas. A Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) oferece assistência para os interessados. Informações podem ser obtidas pelo site: www.anpac.org.br