“A Gameficação Humana” – Quem ganha e quem perde neste jogo?

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“Gameficação” (do inglês gamefication), é um termo associado ao mundo dos “Games”, onde se adaptam as técnicas utilizadas no jogos como a obtenção de pontos, recompensas, mudanças de fases, competição etc para o universo corporativo ou do mercado consumidor. A idéia é obter-se o máximo de jogadores com o máximo de engajamento (tempo e/ou dinheiro dedicado) e deles se obter vantagens com suas conquistas e frustrações no foco daquilo que se está a ser “gamificado”. A idéia de desafio, competição em times etc também é muito estimulada.

Para se ter uma ideia, o universo dos jogos eletrônicos movimentará aproximadamente US$200 bilhões em âmbito global entre 2022 e 2023 (Fonte: Forbes). No mundo são aproximadamente, 2,9 milhões de jogadores com destaque para a liderança asiática, seguida da Europa e da América Latina, onde o Brasil lidera o Ranking dos países com maior número de jogadores. Segundo a CNN, 3 em cada 4 brasileiros consomem jogos eletrônicos.

Com o advento do ”Metaverso” (início da Web3), onde os controladores das atuais Redes Sociais (Web2), apontam seus US$bilhões na aposta de sobrevivência de seus modelos de negócios frente a descentralização da internet, o impulso da “Gameficação” tenderá a dar saltos quânticos remunerando ou compensando seus usuários.

A finalidade deste artigo é convidar os leitores à mergulhar um pouco mais nesta tendência corporativa e de muitos governos em apropriar-se da narrativa lúdica dos jogos com o objetivo de reproduzir os velhos padrões de dominação e controle.
No passado, o casal Lilian (1878 – 1972) e Frank Gilbreth (1868-1924) estava presente no advento da chamada administração científica, com a avaliação das capacidades psicofísicas e da apropriação instrumental dos trabalhadores no ambiente produtivo. O ponto chave de suas contribuições e que também inclui Gant (do famoso gráfico de Gant) é o tema que mais interessa, os chamados testes psicológicos de “estímulo-resposta” voltados  aos ganhos de produtividade. A apropriação da psicologia pelos interesses funcionais e econômicos nos Estados Unidos daquela época, refletiram-se em recursos abundantes para o desenvolvimento de estudos e métodos “científicos”, fazendo transbordar do ambiente acadêmico a maximização dos métodos industriais capazes de obter a maior produtividade possível dos trabalhadores. Não demorou para que estes parâmetros fossem implementados em todo tipo de organização, como as agências de marketing, forças armadas, escolas, fábricas, hospitais etc. Especialistas da administração de pessoas, contribuíram para a sistematização de técnicas e controles baseados na busca da mais valia produtiva, estabelecendo-se assim, um padrão de referência de “estímulo e resposta” comportamental vinculada aos resultados econômicos, moldando desta forma, o comportamento da sociedade norte-americana. Este pragmatismo predominante nos anos compreendidos entre os séculos XVIII e XIX são os primórdios da competitividade, da meritocracia e outros jargões envesados do capitalismo, aceitos até hoje. A psicologia industrial segue predominante neste século XXI onde se penaliza quem não se enquadra nos “moldes”, nos “templates”, nas “fôrmas” do ambiente educacional, profissional, familiar e religioso e por outro lado, se exalta, recompensa, consagra, os obedientes que mais geram resultados para os sistemas predominantes.


Nos dias atuais, o entendimento do comportamento humano voltado para os interesses econômicos ao invés da compreensão aprofundada da natureza humana, têm gerado um sofisticado e crescente número de teorias e técnicas, como:  “neuromarketing”,  aplicações da Inteligência Artificial, como o “deep learning” e a “machine learning”, algoritimos de monitoramento da internet e um variado conjunto de ferramentas, que buscam vantagens na necessidade de “ganhar”, obter vantagens e sucesso da maioria da população humana. Esta “Gameficação” se traduz em ofertas instantâneas e assustadoramente preditivas da necessidade ou desejo por produtos e serviços, utilizando-se desde as escutas ativas de robôs e “assistentes sociais”, até a tradicional associação por indexação de palavras digitadas nas buscas virtuais. A criação do desejo de possuir e levar vantagens, muito bem traduzidas e estudadas nas ofertas de “Cash Back”, “Pontos de Milhagem”, “Programas de Fidelização” etc que inundam o dia a dia dos internautas, deixam claro que as redes sociais se converteram num gigantesco “caça-níquel’, onde as regras do jogo consumista são muito bem calculadas para que os “Donos do Cassino” sempre ganhem, enquanto a ilusão do ganho fácil dos “jogadores” lhes vicia cada vez mais, criando uma massa de perdedores. Neste contexto, vale incentivar a “Jornada do Herói”, dando publicidade massiva aos raros jogadores, como os vencedores de ”títulos de capitalização sorteados”, das apostas esportivas, cujas Plataformas “Bet” “on line”, movimentam anualmente mais de R$4 bilhões ao ano no Brasil ou mais atualmente dos colecionadores de ativos digitais no formato de NFTs (No Fungible Tokens).

Para além da cultura do estímulo-resposta com viés econômico traduzido nos exemplos anteriormente citados, onde máximas como “tempo é dinheiro”, “o mundo é dos espertos”, “os fins justificam os meios” e toda uma ordem de distorções éticas são dadas como normais e aceitas por uma maioria. Tal vassalagem suscita a comparação com a corrida de ratos enjaulados. Tal analogia não se excede em exageros uma vez que a gaiola em que se encontram pode ser observada pelo lado de fora. Nela, experiências de choques para geração de medos ou descargas de dopaminas para incentivar determinados comportamentos podem ser ministradas sem que os engaiolados se deem conta das próprias experiências aos quais estão submetidos.

Para fins de reflexão, alguns “dharmas” do xintoísmo e do budismo merecem ser considerados ao analisarmos as motivações essenciais da Vida. Um deles é a máxima em que a “Ilusão” se define como um processo contínuo na saga terrena, alternado entre a busca do prazer e fuga da dor. Os estímulos das propagandas e das referências de sucesso nas redes sociais, por exemplo, aprisionam o ser humano pelo prazer enquanto a pedagogia do medo dos noticiários, da culpa religiosa, das manipulações políticas, aprisionam pelo medo da punição e da fuga da dor.
Alcançar um estado de consciência baseado no autoconhecimento das potencialidades humanas, ilimitadas e na autonomia de suas escolhas ou seja, no exercício verídico do livre-arbítrio, eis o grande desafio. Para que os dons, capacidades, curiosidades e descobertas, próprios de nossa natureza livre, extrapolem as regras e cabrestos sociais, precisamos mergulhar em nossa dimensão mais sutil. Precisamos transpor as armadilhas do materialismo que nos padroniza e estimula sempre ao ter, ao possuir, ao acumular, ao disputar, ao depender da aprovação alheia e a permanente competição num mundo de “Likes” e de toxidade digital.


Movimentos como o “minimalismo”, a “economia colaborativa”, a “economia do compartilhamento”, a “economia circular”, as “cidades minuto”, o “consumo consciente”, o retorno a “farmacotécnica dos povos originários”, a oficialização das “terapias psicodélicas assistidas”, a “valorização da diversidade”, entre outros, sinalizam a busca pela libertação desta “Matrix” cujos resultados poderão resgatar o sentido do Existir Humano no aspecto mais amplo e profundo da palavra. Que assim seja!

Namastech!

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