“O Neocolonialismo Digital”

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O Ecossistema Tecnológico Brasileiro.

No período de 2004 a 2008, fui convidado para viver uma experiência única: coordenar a Estratégia Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicação de nosso país (EN-TIC´s). Ao assumir funções na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI, com este propósito, acabei por ter que esperar um longo prazo e, finalmente em 2007, recebi o sinal verde para conduzir a EN-TIC´s. Estávamos saindo da primeira onda de retomada da chamada política Industrial brasileira que ficara 3 décadas à deriva desde o período da abertura democrática. Era o início da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em substituição a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce) implementada entre 2004 a 2007. Eu já tinha uma experiência consistente no foco da Tecnologia da Informação por ter respondido pelo primeiro consórcio de exportação de software do país (Brazilian Intelligence in Software – BRAINS) e por ser colunista do mais importante jornal de economia e finanças da época, o Jornal Gazeta Mercantil, com a coluna semanal: “Capital Digital”. Em prazo muito curto (deram-me 12 meses), eu deveria desenvolver uma ampla articulação entre todos os Ministérios e seus programas específicos para o setor, as Associações Nacionais representativas dos Empresários e Trabalhadores relacionados ao segmento das TIC´s (eletroeletrônicos, microeletrônica, operadoras de telecomunicações, pequenos provedores de internet, software, Comitê Gestor da Internet, Sistema Brasileiro de TV Digital, bem como as chamadas ICTI´s – Institituições de Ciência e Tecnologia da Informação, Sociedade Brasileira para a Ciência, Sociedade Brasileira para a Computação, Universidades públicas e privadas, Centros de Referência e Laboratórios Tecnológicos, Centro de Gestão de Estudos Estratégicos – CGEE, CPQD, CNPQ, etc). Finalmente em 2008, apresentamos o texto da política pública desejada e elaborada por todos, que foi aprovada e implementada, cujos efeitos trouxeram milhões em investimentos para o país, incentivos à pesquisa e desenvolvimento nas Universidades e nas empresas privadas, regulamentação de leis e execução de medidas , como: Lei da Inovação , MP do Bem , Desoneração da Folha de Pagamento para Empresas de TI, entre outras conquistas.


Colonizadores e Colonizados
Por ser graduado em comércio exterior e pós-graduado em tecnologia da informação, minha sensibilidade com a temática internacional sempre foi bem aguçada. Aquele período, reservou-me um aprendizado sobre nossas fortalezas e fraquezas enquanto estruturas institucionais de país: governamental e empresarial. Pude observar nossa vulnerabilidade e encantamento que remete ao período da colonização onde alguns “pentes e espelhos”, nos fascinaram e para agradar e corresponder aos visitantes, nos aliamos muito facilmente a eles, indicando os nossos lugares sagrados, nossas riquezas e até adotando suas línguas, roupas, religiões e comidas como nossas. Em 3 momentos pude compreender como a sedução funciona e com quais ferramentas nos colocam sob o julgo de seus interesses. Destaco uma das mais poderosas ferramentas utilizadas, a “Narrativa”. Vejamos:

A Narrativa -“ Sherazade em Ação”
Assim como no conto das mil e uma noites, Sherazade, enrolava seu interlocutor, com histórias intermináveis e profundamente sedutoras (neste caso ela era a vítima da ameaça de morte, fez muito bem).

As forças representativas dos interesses estratégicos internacionais são treinadas há séculos para obterem exatamente o que desejam e sabem bem aproveitar nossa ingenuidade e contornar nossos lampejos de oposição aos seus propósitos. Travam entre eles, diferentes batalhas para ver quem colocará as mãos primeiro, no ouro descoberto e nos utilizam como soldados para morrermos no “front” em troca de algumas migalhas do que sempre foi nosso. Exemplo de Narrativa:
“País que fica preocupado em querer produzir tudo por conta própria é país atrasado que não se preocupa com o mais importante: os usuários, a sua sociedade. O óbvio é dar acesso ao menor custo possível (sem tributação), às tecnologias já desenvolvidas e disponíveis no mundo para que sejam beneficiados os cidadãos de uma forma mais ampla e mais rápida, gerando oportunidades de emprego, renda e modernização do país”. Para que Política Industrial? Aliás no período do Ministro Malan, uma célebre frase por ele pronunciada, comprova o poder de convencimento da Narrativa. Dizia o Ministro: “A Melhor Política Industrial é não tê-la”. Diversas vezes deparei-me com este “Mantra Falacioso” nos fóruns internacionais de tecnologia, nos EUA, na Europa e em outros por eles conduzidos, especialmente na América Latina. Utilizavam exemplos de países que conseguiram reduzir o custo de acesso aos seus cidadãos e maiores avanços na utilização tecnológica por declinarem de suas cadeias produtivas próprias, mas invariavelmente, os países mencionados eram desindustrializados e de população reduzida, como Chile, Equador, etc. Resistir ao Lobby que exercem nos Parlamentos e Gabinetes Executivos dos países em desenvolvimento é tarefa dificílima e, quando por ventura, percebem que há massa pensante, patriotismo em defesa da Soberania Digital do país, utilizam-se da dita Sociedade Civil e recheiam as ONGs de dinheiro para “causas de inclusão digital – com seus equipamentos e serviços, claro” ou fazem ofertas altamente atraentes aos ocupantes das cadeira executivas, em nome de uma Sociedade Digital, Inclusa e uma máquina Governamental moderna e inovadora, claro, com suas soluções nem sempre inocentes. Chegamos a recusar por exemplo, a oferta para que o Governo brasileiro utilizasse um determinado “motor de busca de informações”, que seria gentilmente cedido. Levantamos que por questões de Soberania, outros países mais desenvolvidos obviamente, já haviam recusado a mesma oferta. Isso equivaleria a “entregar de mão beijada”, todas as informações estratégicas e sensíveis do país para eles cuidarem com a “máxima segurança em nosso benefício”. Mesmo sob a incompreensão de nossos pares governamentais e de alguns segmentos privados, soubemos consolidar a nossa recusa.
Em outras oportunidades, desde a oferta de um computador por aluno ao preço máximo de US$100,00 até as discussões com Europeus, Japoneses e Americanos para a adoção tecnológica de nosso sinal de TV Digital, aprendi muitíssimo com as negociações cuja estratégia sempre foi e será, a definição do Padrão! O grande foco para gerar riqueza e empregos em seus países de origem e por a mão em nossas reservas cambiais, empurrando suas “engenhocas” é conseguir vencer a batalha do “Padrão Tecnológico” à ser estabelecido.


Soberania Digital
No caso do “Um Computador por Aluno”, nossas ICTI´s e Universidades deram um show e criaram o próprio computador, que foi distribuído no âmbito do ambicioso Programa UCA coordenado pela própria Presidência da República, com soluções Verde-Amarelas. Embora tenhamos adotado o Padrão Japonês de TV Digital, criamos uma tecnologia própria de um Middleware que falava com todos os padrões existentes e previu o uso do canal de retorno da internet para atendimento de políticas sociais como emprego, educação etc. O apelido dado a esta sacada brasileira é o reflexo de nossa criatividade e jogo de cintura que deixa os gringos muito surpreendidos, em alusão ao nosso futebol, foi chamado de “Ginga”. Como deixamos escapar entre os dedos a corrida da microeletrônica, mobilizamos esforços para tentar nos inserir no mundo dos Semicondutores, atraindo a parceria de gigantes deste segmento para o país, com vistas a nossa inserção na cadeia global de valor. Algumas medidas chamaram a atenção mundial como a criação de “Design Houses”, como a CEITEC no Rio Grande do Sul e o estabelecimento de uma política pública específica, representada pelo Programa “CI Brasil”. É deste mesmo período, a consolidação de Programas Nacionais de impacto, como o GSAC, do Ministério do Planejamento, responsável pela infraestrutura de informática nas escolas espalhadas em todo o país, com cobertura de sinal de internet inclusive, via satélite. A Criação e implantação do SISCOSERV por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, dando transparência ao recebimento e remessa de divisas para aquisição de serviços em geral, inclusos os serviços relacionados ao segmento das TIC´s; Tivemos o Planseq do Ministério do Trabalho, dedicado a formação de desenvolvedores de softwares nacionais; a APEX Brasil, realizou em diversos países o Programa de Imagem Setorial chamado, Brasiltech com a participação de nossos maiores orgulhos tecnológicos: Tecnologia de águas profundas – Petrobrás; Engenhariaria Aeronática – EMBRAER; Automação Bancária e Sistemas de E-Gov – Sociedade Softex; Biotecnologia Avançada – EMBRAPA; Robótica produzida por empresas ligadas a Universidade de São Carlos, entre outros.
O que temos hoje? Quais são os Programas e a Política Pública integrada de TI –Telecom liderados por empresas e instituições genuinamente brasileiras? Como os eventuais projetos consideram o desenvolvimento de nossa inteligência local e respondem às complexidades de um mundo em profunda transformação com evidentes riscos de cyber ataques e avanços tecnológicos de grande impacto social? Qual é o Plano? Quem responde por eles?

O General Chinês, Sun Tzu, há 500 anos antes de Cristo disse: “Se você vai para uma guerra e não conhece o inimigo, tem grande chance de perdê-la, se for sem conhecer a si mesmo, suas chances de perder são ainda maiores, mas se não conheces o inimigo e tão pouco a si próprio é melhor declinar da guerra e dar-se por vencido.

Alguma semelhança com esta afirmativa de 2.500 anos atrás, não parece ser mera coincidência, no Brasil Digital de hoje, que pena!

Namastech

Música: Índios – Legião Urbana:

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