Neuseli destque Neuseli Sampaio, presença assídua no Parque. Foto CV Março 2025

“Gosto de tudo do Parque, aqui tem tudo.”

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Frequento o Parque da Cidade há muitos anos, e mesmo com alguns intervalos fora de Brasília, é pra lá que sempre retorno. E, tal como em algumas praias urbanas, com partes identificadas por grupos e presença de pessoas muito conhecidas, o Parque, considerado “a praia de Brasília”, também tem esses espaços e suas “figuras” mais conhecidas. Eu reconheço várias e, sempre que tenho oportunidade, procuro conversar alguma delas.

É o caso de Neuseli, que já vi inúmeras vezes no seu long skate, fazendo manobras, deslizando na pista como se estivesse praticando surf ou simplesmente sentindo o vento bater, deixando muita gente com inveja ao vê-lo passar com aqueles movimentos de liberdade. Ultimamente ele tem sido visto pedalando. Um frequentador sempre presente, que abordei outro dia. Ele resistiu um pouco, não gosta de se expor, mas acabou topando a entrevista.

Neuseli Mesquita Sampaio, 71 anos, empresário, no ramo da indústria gráfica, é formado em artes plásticas e morador do Sudoeste. Ele chegou em Brasília com a família em 1963, quando tinha 9 anos, porque o pai era da aeronáutica, e aqui ficou. É divorciado, tem duas filhas e um neto.

A nossa conversa acabou sendo mais longa porque ele tem muitas histórias pra contar e, particularmente, achei muito interessante conhecer mais detalhes de um de seus projetos que consistiu em conhecer todo o litoral brasileiro, de Norte a Sul, pedalando na areia.

Com jeito simples, de gente boa, mostrando uma tranquilidade sempre comum em praticante de esportes, Neuseli, conhecido de longa data no Parque como Trancinha, é adepto e defensor ferrenho da prática de esportiva como uma receita para viver bem. E, da mesma forma, um adepto do Parque, que acha “uma maravilha” e considera, com convicção, melhor do que o Central Park de Nova York.

Preguntas para Neuseli, o Trancinha:

P- Você frequenta o Parque da Cidade há quanto tempo?
R- Há muitos anos, muitos anos. Quando eu morava no Guará, eu vinha de bike pra cá pedalando, chegava aqui e fazia o percurso correndo e empurrando a bicicleta, foi o começo. Aí eu comecei a ter contato com o pessoal do Cobra, Corredores de Rua de Brasília, e comecei a correr mesmo. Eu me empolguei, corri muitos anos aqui. Saia daqui, da Administração, por volta das 5 da manhã no sábado, ia até a ponte JK e voltava, o que dá uns 23 km, fiz isso por muito tempo.

P- Você participou de competições?
R- Muitas! Maratona de Brasília, eu fiz algumas. Com 45 anos eu deixei de fazer maratonas, eu fiz 13, corri em Nova York também, fiz em 3.19min a maratona lá. Depois, já com 60 anos, eu deixei de fazer as meias maratonas, cansei de fazer a meia internacional do Rio. Com 68 anos, eu rompi o tendão de Aquiles e parei a corrida de vez, estou retornando agora, aos poucos. Já o pedal, não, pedalo há muito tempo, eu curto. Eu tenho percorrido o litoral do Brasil de bicicleta, pela praia, de São Luís do Maranhão até o Rio Grande do Sul.

P – Foi um projeto pessoal?
R- É, pessoal. Eu fiz em 10 viagens, como eu não tenho patrocinador, eu sou autônomo, aí, nas férias, depois do Natal e do Ano Novo, eu sempre fazia um percurso. De Salvador a Maceió, de Maceió a Recife, de Recife a Fortaleza, de São Luís a Jeriquaquara, de Fortaleza a Jeriquaquara, e aí fui fechando, em 10 viagens eu fechei o trajeto todinho.

P- Sozinho?
R- Não, a primeira foi sozinho, de Fortaleza a Jeriquaquara, mas os outros não, com 3 pessoas, 4 pessoas.

P- Nossa, me parece muito puxado, indo pelo litoral significa ter que pedalar na areia mesmo?
R- Sim, na areia, só na maré baixa, não na areia fofa. No Nordeste é tranquilo, no Sul também. O pior trecho é no Espírito Santo, areia é muito sedimentado, muito grossa, aí você tem que empurrar muito a bike.

P- E naqueles lugares com muitos penhascos, morros, como o litoral do Rio Grande do Norte, como é?
R- Na praia você não tem altura, nem subida, nem descida, é plano, você só vai lutar contra o vento. Na realidade, só quando tem um trajeto que você tem que subir pra sair, ou tem um rio que você não consegue ultrapassar, você tem que dar a volta ou atravessa de barco, de canoa, de jangada, com a bicicleta em cima dos ombros.

P- E você conseguiu registrar tudo, porque dá um belo documentário, né?
R- Tenho várias fotos, não tenho o percurso de Natal a Fortaleza porque ficou uma pessoa responsável por fazer essa anotação, mas os outros eu tenho tudo anotado, de tanto a tanto, quantos quilômetros…

P- É bom registrar, eu nem sabia que existia alguém que já fez esse tipo de viagem. Porque, por exemplo, aquela parte do Rio Grande do Norte até o Ceará, se você vai de carro, não tem como ir pela praia pro Ceará, nem sabia que dava pra ir.
R- Dá sim, tem muita gente que faz esse tipo de viagem.

P- Qual foi o máximo de tempo que você ficou pedalando?
R- Foi de Vitória do Espírito Santo até Salvador, deu 1.118 km, deu uns16 dias, 15, não me recordo agora. Porque você vai tranquilo, dorme em pousadas, eu nuca fui de acampamento, porque é muita tralha, pesa. Mas tudo isso foi planejado, em condições físicas que você tem que ter, e é o que importa.

P- E o máximo de horas pedalando que você ficou?
R- É relativo, se você tá numa pousada, acorda por volta das 6h, 7h da manhã e o café vai até as 8h, você tem que comer o que você puder pra ganhar energia. Sai às 8h e 4h, 5h da tarde tem que estar noutra pousada, porque à noite fica complicado você chegar, lavar a bike cuidar de outras coisas e dar uma saidinha. Porque senão fica muito desgastante você chegar num dia, sair no outro. Você tem que dar um passeio.

P- Conhecendo todas as praias do Brasil, qual a que você mais gosta?
R- Por onde eu passei, as praias mais lindas são do litoral da Bahia. Não as de Salvador, mas Lauro Correia, Algodões, a paisagem a sedimentação da areia, é mais plano, mais durinho.

P- E pra onde você sempre volta?
R- Pro Ceará, tem muitas. Lagoinha, Preá, Baleia. Porque eu comecei esse projeto? Porque eu comecei a pedalar e as pessoas me perguntavam quantas praias eu conhecia no Ceará, e eu só conhecia Iracema e a praia do Futuro, só praias pertinho. Aí falei comigo mesmo: vou pedalar as praias de Fortaleza, aí eu fiz Fortaleza a Jeriquaquara sozinho, 319 km. E quando voltei falei com um amigo meu e ele perguntou se podia chamar mais alguém e aí fomos e de Natal a Fortaleza. Aí começou a minha história e fui fazendo os trechos pra fechar o litoral.

P- Voltando pro Parque, ele tem 46 anos, você tem mais anos de Brasília do que o Parque de existência, você vem aqui desde que ele foi inaugurado?
R- Desde antes, vinha aqui antes de ser o Parque. Eu morava na 106 Sul e aqui tinha muitos pés de mamona, a gente subia pra cá pra pegar mamona e fazer guerrinha de estilingue.

P- Você já correu, andou de bicicleta, de patins, de long skate, aqui no Parque, eu já lhe vi muito passando, você é um grande usuário dessas pistas.
R- É, sou assíduo. Conheço muitas figuras aqui. Venho direto, todo sábado e domingo. No domingo eu passo aqui de bike, faço Eixão Sul e Norte e volto. É sagrado, 45 km, no mínimo.

P- Tem lembranças de algo que já viveu aqui?
R- O que foi mais marcante foi o rompimento do tendão, eu estava saindo ali da ponte dos cadeados, sem velocidade, sem nada, quando dei uma remada, partiu o tendão e isso me marcou.

P- E do que você mais gosta aqui no Parque?
R- De tudo, tudo. O Parque, a água de coco, daqui (do espaço de outra figura conhecida do Parque, o Joseimar Botafogo, no Estacionamento 13), tem outro coco no Estacionamento 3, uma melancia geladinha, um abacaxi, uma delícia. Fora os shows.

P- Você, sendo uma pessoa que conhece todo o litoral brasileiro, o que acha do Parque em relação a lazer, o que ele representa pra Brasília?
R- Ah! Aqui é melhor do que o parque de Nova York, aqui tem tudo! Infelizmente as pessoas não são educadas pra preservar o que é nosso, estragam muito os banheiros, lixeiras, mas, ao tempo, vai chegar lá.

P- E você tem muitos amigos aqui?
R- Vixxi! Me conheciam como Trancinha e me chamam Trancinha até hoje.

P- Qual a parte do Parque que você mais gosta?
R- Aqui dessa área, da Administração, que normalmente é a partida, e do Estacionamento 3, onde tem a aula de patins da professora Fátima.

P- O que você falaria para as pessoas de Brasília sobre o Parque?
R- Conserve, plante. Não se comenta muito, mas tem muitos plantios com jazigo de pessoas, um amigo meu faleceu e as cinzas dele foram colocadas com uma planta aqui no Parque, sem ninguém saber, discretamente, porque tem que ter o respeito.

P- O que é o esporte pra você?
R- É a vida! Não é 71 anos à toa, tem que respeitar a idade e estou fazendo reforço muscular pra me manter, porque se você para totalmente, você trava, o músculo trava. Se você quebra um braço e fica 30, 65 dias imobilizado, você muda totalmente a fisiologia do seu braço.

P- Quem lhe vê, não imagina que você tem 70 anos, qual é a sua receita para envelhecer bem?
R- Esporte! Esporte e alimentação. Não como carne vermelha há 42 anos, procuro comer bem, não uso fritura, muita fruta, muita verdura, pouco arroz, muito feijão. Se você pratica esporte você tem que se alimentar de acordo. Não ainda você comer uma feijoada e correr, porque não vai correr mesmo. Não tem um método específico. E tentar esquecer o que vai acontecer amanhã é pra pensar no hoje, só isso.

P- E no que você acredita?
R- Numa energia superior e em respeitar o próximo, não precisa muito. Porque toda religião tem política e política é triste.

P- E pra viver bem, estar bem na vida, o que você acha importante?
R- Se conhecer, se você não se conhece, como vai ter os seus valores? Se conhecer é o que acho mais importante, e depois respeitar o próximo, só isso.

P- Qual o seu recado pras pessoas?
R- Pense em si mesmo e deixe a vida dos outros.

P- Você tem planos para os próximos anos?
R- Se eu tiver condições financeiras maiores, mais pra frente eu tenho um sonho de fazer a Europa de bike, em 6 meses. Mas tem que formar um grupo, porque sozinho nessa idade é mais complicado. Vamos ver, sem obrigatoriedade.

P- E como você pensa na sua vida nos próximos 10 anos?
R- Não sei o dia de amanhã, não costumo nem pensar, porque senão você pira.

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